O BEIJO NUNCA DADO (EC)
Trinta talentos.
Sentindo peso na consciência pagou seu preço, suicidando-se enforcado.
É o que reza a lenda, divulgada pelos séculos.
Talvez tenha sido executado. Talvez tenha despencado de um barranco.
A própria bíblia, livro maior do cristianismo, não assegura o fato.
Marcos e Mateus dizem sim. Lucas diz não. João se omite.
Iscariotes teria motivos para denunciar Yeshua ao Sinédrio?
Apenas se fosse por amor ou medo.
Causas maiores de todas as violências e traições.
Primeiro o amor.
Mirian de Magdala, a Madalena. Provavelmente a primeira mulher líder revolucionária.
Depois o medo.
Adultério era crime grave e o amor deles fora flagrado pelos centuriões, sempre atentos a qualquer movimentação dos revolucionários.
A pena era, à época, a morte por apedrejamento.
Mirian, já salva por Yeshua pelo mesmo pecado, seria imperdoavelmente reincidente.
Iscariotes a amava e não queria vê-la morta.
Iscariotes traiu Yeshua por causa de uma mulher?
Sendo realmente Madalena a esposa de Yeshua, sabia impossível ao humano companheiro de batalhas perdoá-lo pelos desejos carnais.
Já ocorria a cizânia entre as lideranças políticas quanto às formas de combate ao domínio romano.
A traição amorosa acabaria com o relacionamento e confiança entre eles.
Entretanto, ao ser detido pelos centuriões, que perseguiam a todos opositores ao domínio de Roma na Galileia, Iscariotes viu-se com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. Entre a cruz e a caldeirinha.
Torturado no Sinédrio, como é hábito nas inquisições ditatoriais, teve um raciocínio falho.
Entre a condenação de Mirian e a raiva de Yeshua, pela traição, arriscou.
Era voz corrente que Yeshua possuía poderes paranormais ou divinos, ressuscitando pessoas, curando leprosos. Há narrativas de haver recolocado a orelha decepada de um centurião quando de sua prisão.
Tivesse realmente esses poderes, safar-se-ia de qualquer ameaça contra sua vida.
Acreditou ainda, que aprisionado Yeshua pelos romanos, um levante revolucionário ocorreria diante da ameaça de morte de um dos líderes rebeldes.
Mas, não!
Somente Barrabás tentou, em vão, levar seu grupo a uma rebelião.
Até Pedro, idolatrado como fiel escudeiro de Yeshua, intimidou-se e negou insistentemente pertencesse ao movimento revolucionário.
Ao oposto da história amplamente imposta ao povo de fé, Iscariotes não precisava vender-se. Diferentemente de Yeshua, era um revolucionário de classe social abastada e não trairia por reles trinta moedas de prata.
O fato é que acreditem seja Iscariotes um traidor ou não, ele entraria para o extenso rol de culpados sem defesa. Mais um das centenas de condenados e execrados pela história.
Alguém sempre tem que ser o culpado.
Quanto ao beijo? Ora o beijo...
A versão do beijo não passa de mais uma das inúmeras invencionices criadas pela Igreja, para simbolizar pecados.
Iscariotes preferia outras faces.
A amada Mirian. Ou Sara, uma prima, que relatos apócrifos afirmam suicidou-se quando se viu gestante e abandonada.
E a presença de Iscariotes no local não se fazia necessária.
Bastou dizer aonde o grupo de Yeshua se escondia.
O resto é crendice...
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Este texto faz parte do Exercício Literário – Encanto das Letras.
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