AI QUE DOR NA COLUNA

Eu já não aguentava mais. As dores eram lancinantes. Estava sempre procurando um banco, uma cadeira, um encosto qualquer. Minhas costas reclamavam. Eu não continha meus gemidos.

Fui consultar o jovem médico especialista, pessoa de inteira confiança, profissional competente e que, com certeza, será uma referência em poucos anos na área em que se dedica.

- Você vai ter que fazer várias sessões de fisioterapia.

Torci o nariz. F i s i o t e r a p i a. Sim, assim, espaçado, de tanto que eu odeio fazer fisioterapia.

Teimoso que sou continuei sofrendo, mas fisioterapia nem pensar. Lembrei das últimas sessões que havia feito há alguns meses atrás. O fisioterapeuta era corinthiano, mano, e só falava de futebol, Arena Corinthians, Itaquera e Gaviões da Fiel. Não aguentando mais mudei de período para fazer as sessões com outro profissional. E me dei bem...muito bem. Pelo menos foi o que pensei quando vi Juliana, a fisioterapeuta. Tinha uns vinte e poucos anos, cabelos pretos, olhos amendoados e mais alguns atributos que não ficam bem serem descritos por um senhor, como eu. Minha alegria durou pouco; na primeira sessão a Juliana começou a falar de um tal de Valdemiro, que dor não existia, que era coisa do satanás; que sem fé não há resultados e que quem não vai a igreja (a dela, é claro) não tem outro destino que não seja o inferno. Só faltou gritar "aleluia" quando, ao final da sessão, eu respondi que estava um pouco melhor.

Desisti, definitivamente, da fisioterapia, mas as dores não desistiram de mim. Ao contrário, iam aumentando gradativamente. Resolvi voltar à consulta médica.

- Dr Alynson, voltei.

- Fez as fisioterapias?

- Pois é... Fiz... algumas.

- Fez ou não fez, Cleomar?

Nem respondi de vergonha.

Examinando minhas costas o Dr. achou melhor fazer uma nova ressonância magnética. Pela cara dele a minha coluna estava um caco, se é que ainda restava alguma cartilagem ou osso inteiro para que futuros arqueólogos examinassem: " Olha! Este homo Sapiens não era muito sapiens. Não se tratou adequadamente".

Dois dias depois voltei sorridente com o laudo da RM na mão.

- Dr. Alynson, aqui está o resultado. Já olhei no Google e acho que está tudo certo.

Só depois que soltei a infeliz frase é que me dei conta da besteira que havia dito.

- Ih! Cleomar. A RM não está nada boa.

- Tá bom, Doutor. Me dê as requisições que vou levar a sério as fisioterapias.

- Nina, Nina. Fisioterapia não adianta mais. Vamos ter que partir para a cirurgia.

- C i r u r g i a? Novamente assim, espaçado, pois se não queria fazer fisio imagine operar.

Lembrei dos duros bancos do Pollo Shopp, alí no Alto da XV; das muretas da Droga Raia onde ia comprar relaxante muscular; da procura por um assento nas lojas onde eu acompanhava minha mulher. Não havia mais como suportar as dores. Eu sabia que estava em boas mãos e resolvi enfrentar a mesa operatória.

Acordei achando que não tinham me operado ainda. Não sentia nada. Ei! Não sentia nada? E aquela dor terrível que eu estava sentindo há meses? Meu Deus! Havia sumido. Eu apenas sentia um ardidinho de nada onde provavelmente havia o corte cirúrgico.

No dia seguinte o Dr. Alynson disse que em 15 dias eu já poderia dirigir e que, em seis meses, eu poderia jogar futebol. Fiquei radiante. Eu nunca consegui jogar futebol. Sempre fui um verdadeiro pereba desde a época do Colégio Estadual do Paraná. Agora poderia jogar, oba!

Quatro dias depois eu estava em minha casa. Muitos cuidados pós-operatórios: não fazer movimentos bruscos, não torcer o tronco, movimentar-se em bloco, não levantar peso, etc.

O tempo demorava para passar, mas eu contava com uma grande companheira para me distrair; um verdadeiro anjo que me cuidava o tempo todo com seus olhos castanhos claros, demonstrando a maior preocupação aos meus pequenos gemidos que, confesso, eram puro dengo para chamar a atenção. Claro que não é só criança que faz dengo. Vocês não sabiam? Conheço muito sexagenário dengoso. Mas como eu dizia, esta minha companheira dedicada, zelosa e amiga não tirava os olhos de mim. Não... não era minha esposa, que também é um anjo. Era um querubin de quatro patas com nome e sobrenome: Óquinha... Mandi Óquinha. Ela me fitava com seriedade e parecia sempre estar dizendo: "Te cuida, véio. Vê se não apronta, seu Gaspar teimoso".

Uma das recomendações médicas era caminhar no corredor do prédio onde moro. A Mandi me acompanhava desfilando garbosamente ao meu lado. Eu ia e vinha naquele corredor de uns quarenta metros de comprimento. A Mandi olhava para mim com cara de quem não estava entendendo nada. Com uma carinha interrogativa parece que ela me dizia: "Decida-se! Para onde você quer ir afinal?"

Já estou me sentindo melhor e contando os dias para que eu possa jogar futebol. Só esqueci de perguntar ao Dr. Alynson em que posição vou poder jogar. Será que tanto faz?

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 19/03/2014
Reeditado em 20/03/2014
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