ZÉ MARTINS E LALINHA.

Eles vieram de longe, dum lugar onde o Espírito Santo e a Bahia

dividem o mesmo sotaque, as mesmas dores, as mesmas lágrimas, a mesma esperança de salvação. Vieram sem mala nem cuia, sem eira nem beira, com o horizonte a vislumbrar das boléias dos muitos caminhões que lhes davam carona. Eram dois artistas, cantores, instrumentistas, porta-vozes da alma de um povo cada vez mais sem voz. Rasgaram as selvas de concreto do Rio de Janeiro num dia comum, sem fogos, sem festas, sem batuque de carnaval. Deixaram as ilusões perdidas nas curvas dos muitos caminhos por onde passaram e eram cônscios da realidade que os aguardava em cada porto. Ancoraram temporariamente na rua do Passeio Público, onde me encontraram no exercício diário de partiturista musical. Registraram suas canções, compostas por recantos remotos de um Brasil que o próprio Brasil desconhece. Repartimos histórias, nos identificamos, tocamos juntos sobre caixotes de madeira ao meio-dia com o sol a pino no Largo da Carioca, criando um fundo musical para essa cidade sobressaltada por tanto medo e confusão. Fizemos milhares de planos, sabendo que no fundo nenhum deles daria certo, pois quem nasceu para grandes mares não se acostumaria com um "Rio", ainda que ele fosse o de Janeiro. Navegar é preciso. Caminhar mais ainda. Um dia eles se foram, no cumprimento de seus destinos de eternos aventureiros. Ciganos da música pelos caminhos inusitados desse Brasilzão. Partiram para acrescentar novas páginas ao seu já volumoso livro de aventuras. Desfrutando das riquezas que o dinheiro não lhes dá, saboreando a média que a mídia não lhes paga, vivendo, sorrindo, chegando, partindo, criando um novo conceito de realização e sucesso. É assim que são, por onde quer que andem, Zé Martins e Lalinha, artistas das ruas do Brasil, protagonistas de um show sem fim.