Mesmices
Termina mais um dia exaustivo de sua precoce vida docente.
Ela dirige-se ao ponto de ônibus. É sexta. É o mesmo horário. Como de costume, passam três ônibus antes do ônibus que ela precisa pegar.
De longe ela avista-o.
Faz sinal.
O ônibus para.
O mesmo horário, o mesmo ponto, o mesmo motorista, os mesmos passageiros.
A mesma tarifa, a mesma mochila pesada nas costas.
O mesmo batom, o mesmo cansaço, os mesmos sorrisos.
A mesma roleta, o mesmo cartão.
O mesmo cobrador.
Ele, tão simpático e sorridente.
Ela, tão séria e recatada.
Ela senta-se no ônibus que estava metade cheio, metade vazio. Mais pra vazio do que pra cheio para dizer a verdade.
(Quando se está de bom humor, é bom ver a metade do ônibus vazia e metade cheia com bons olhos.)
Poderia ser pior.
Poderia ser muito pior.
O ônibus segue viagem rumo ao terminal de transportes urbano. Por ironia do destino, estavam sentados frente a frente. (Ela estava no banco para deficientes visuais).
Ele (o cobrador) e ela trocam olhares relâmpagos.
Ela finge estar concentrada na estrada ou na cabeça do homem grisalho que está sentado ao seu lado.
Ele sempre dando olhadinhas.
Ela sempre tentando esquivar-se dos olhares que pareciam fulminar.
“Ele quer puxar assunto”, ela pensa.
- Boa tarde senhor! – ele diz ao homem que naquele momento passa pela roleta, na Vila Portes.
Aquele banco estava horrível para ela continuar sentada. O homem que estava sentado ao lado do cobrador levanta-se e puxa a campainha para descer no próximo ponto.
Ela apressa-se e ocupa o lugar recentemente vago, ao lado dele – o cobrador.
Ela, disfarçadamente, pega seu livro de inglês para estudar (ou pelo menos tentar). Pesquisa uma ou outra coisa no dicionário de Português- Inglês/ Inglês – Português.
“Como essa Avenida JK é comprida!” – ela pensa.
Em menos de dois segundos, o previsto acontece.
- Estudando inglês? – ele pergunta.
- É... – desconcertada - não é por gosto, é necessidade.- sorri com os olhos,
Assim inicia-se um diálogo de alguns minutos.
Em menos de três minutos, sabe-se que ele já morou no Paraguai, tem uma irmã professora que é concursada ; ele fala espanhol fluentemente, manda bem no inglês também e já foi garçom em Santa Catarina.
Em muito menos de dois segundos, descobrem sua características em comum.
Assim o caminho encurta-se rapidamente,
Ela levanta-se assim que o ônibus para no terminal.
Ela diz “tchau”, como se fossem amigos de longa data.
Ele diz mais do que isso:
- Tudo de bom e... boa sorte! – como se nunca mais fossem se ver.
Ela não olha para trás.
Desce do ônibus e volta à sua vida.
O mesmo terminal, o mesmo horário.
A mesma fadiga, a mesma espera.
A mesma dor nos pés, a mesma dor nas costas.
Ela só espera que o dia seguinte continue na mesma mesmice.
O mesmo horário, o mesmo ponto, o mesmo ônibus.
O mesmo cobrador.