Monólogo reflexivo numa viagem de, no máximo, 10 minutos.

Afinal, quem sou eu além de mais um passageiro neste ônibus?

Me peguei pensando isso nesta tarde, numa viagem implícita logo na primeira frase. Era mais um, sentado, olhando pela janela e tentando evitar contato visual com a multidão que se aglomerava ao meu lado implorando, mesmo que inconscientemente, que aquele lugar fosse alocado especialmente para elas. Não que alguém o merecesse mais do que eu, mas sei como todos gostariam que eu fosse magicamente ejetado daquele precioso pedaço de plástico.

Meu desconforto por parte deles foi logo esquecido assim que parei de prestar atenção em seus pensamentos para focar nos meus. O dia era quente e isso é uma coisa que não só detesto como desprezo. Ouvir que dias quentes são bons não só me irritam como me magoam profundamente com a pessoa que externou tal pensamento. Que audácia! Frio é melhor e todos sabem. Pelo menos deveriam saber.

Ou não.

Eu prefiro frio. Sempre gostei daquele sentimento único de se esquentar gradualmente com um casaco ou debaixo das cobertas. O sentimento do frio escorregando pela ponta dos seus dedos e voltando para o ambiente, esperando aquela oportunidade única de se apossar do calor das tuas veias. Isso para mim era o paraíso. Um momentâneo, pelo menos - existiam poucas coisas que me convenciam de um final feliz e esse sentimento bobo era uma delas.

Eu estava completamente desconfortável pelo dia quente e pelas pessoas abafando ainda mais aquele pedaço retangular de alumínio que não consegui reparar o quão rápido estávamos indo. Rápido demais para qualquer um que estava prestando atenção no nada, mas lento demais pela velocidade que meus olhos seguiam a paisagem e apostavam uma corrida involuntária com meus pensamentos que voavam mais que a noção de velocidade do motorista.

"Que ser humano confuso que sou", pensei.

Esta é uma verdade que não necessitava de grandes momentos de reflexão. Bastava um diálogo comigo que eu conseguia me contradizer umas 4 vezes. O problema é que nenhuma delas era mentira - eu trocava de opinião em questão de segundos. As vezes, conseguia ter 3 visões opostas ao mesmo assunto. Isso sempre me foi um impasse, porque me passava por mentiroso na terceira ou quarta afirmação e quando finalmente chegou o dia que eu desisti de tentar me explicar, o problema só se agravara porque não dava nenhuma justificativa - só um punhado de desculpas e revogações.

Por um lado, essa história me era útil. Não a parte em que eu dissipava uma roda de amigos e os remanescentes possuíam um olhar de dúvida com agonia em seus rostos. A ideia era que eu sempre via todos os lados da história. Nada me escapava: Via o lado do bandido, da vítima, da testemunha e do cachorro que fez xixi no pneu do policial que investigava o crime. Isso me trazia um esclarecimento maior para alguns assuntos e conseguia chegar em soluções práticas para os dois lados ficando neutro a eles. A questão é que isso me impossibilitava de defender um único lado. Eu possuía argumentos para defender e destruir qualquer um dos lados e não conseguia fazer apenas um. Se eu construía uma imagem boa de uma certa pessoa, eu a denegria logo em seguida enquanto tentava arrumar a próxima vez que iria acabar com a moral dela.

Estão me acompanhando? Não se preocupem, eu já me perdi desde a quinta linha.

Isso me trouxe um caso interessante onde tive um juri simulado e me elegeram o advogado de defesa do sistema de cotas. O juri deu a vitória a outra parte porque eles não tinham certeza em que lado eu estava, apesar da boa argumentação tanto favorecendo quanto desfavorecendo a supra citada.

Minha saída da faculdade de direito se deu logo depois este episódio, que pra falar a verdade usei pra esconder o fato de eu ter detestado a minha sala.

Dois pontos haviam se passado e uma senhora entrou no ônibus. Admito que vacilei por alguns segundos e pensei em continuar olhando pela janela e ignorando aquela mulher que precisava de um descanso para as pernas.

"Que isso, você nunca foi desses. Se levante!", exclamei, mesmo que mentalmente.

De fato, nunca fui uma pessoa que negava ajuda a quem realmente merecesse. Não sou um computador com acesso a internet para pesquisar em segundos a vida daquela senhora e descobrir que ela salvou 3.000 crianças desabrigadas na época da segunda guerra mundial e hoje caiu no ostracismo, mas não precisava disso. Via-se no olhar dela que independente de ter salvo milhares de crianças ou seu maior feito foi ganhar uma competição de bolo de fubá, ela era uma boa mulher que a idade já vencera e não custava nada ceder-lhe meu lugar.

Pedi desculpas pela demora e ofereci meu lugar. A maldita nem olhou na minha cara e ainda pisou no meu pé no movimento de alocar-se a cadeira. Quem me dera aquele treco virasse e ela caísse tão forte que nem as 3.000 crianças conseguiriam segurá-la de se espatifar e virar farelo no chão. Tipo aquele bolo nojento - ela não merecia o primeiro lugar. Velhaca.

Odiava quando me enganava, e era óbvio que acabara de fazê-lo. Se eu soubesse que seria tão mal tratado, teria fingido estar dormindo. Isso não condiz com meus deveres cívicos, mas quem se importa? Fui o único que teve coragem de largar o conforto pela educação e só recebi em troca pontapés. Fiquei triste e bravo, mas superei em seguida.

Minha inconstância não me permitia ficar bravo com algo por mais de uma fração de segundos, por mais cruel que tenham sido seus atos. Era algo que eu me orgulhava - a capacidade de perdoar. Pelo menos era o que os outros pensavam. Todos achavam que eu era um ser humano perdoador e era praticamente o novo messias neste assunto, mas todos estavam enganados. Eu não era do tipo que perdoava, eu era do tipo que me esquecia até alguém trazer o assunto a tona e o pandemônio se instalar na minha cabeça. Vingança sempre foi um prato que se comeu quente no meu livro de receitas e eu gostava de esquentá-lo com o meu ódio pelo odiado.

Mas tudo bem, vamos esquecer a história da velha.

Meu ponto era dali duas quadras e ficar um pouco em pé fazia bem para meus joelhos. Nada significante, admito. Eles são podres como carne de supermercado de segunda e não conseguiam sustentar meu peso por um tempo muito considerável. Me assombrava a ideia de não ter sido liberado pelo exército ainda, mesmo com madeiras podres pra sustentar uma casa (uma casa nada leve, devo admitir).

Isso já me trouxe muitas histórias tristes que me doem um pouco lembrar. Perdi algumas oportunidades de conquistar algumas medalhas por causa deles. Fui um adolescente frustrado que teve que aprender a jogar no gol porque correr de uma ponta da outra na quadra era uma tarefa excruciante.

Fim das histórias tristes. Vamos falar de histórias felizes. Vamos falar do tempo nublado que esta cercando a cidade.

Tinha um problema sério com chuvas. Foi em uma delas que quase morri afogado quando era criança e não foi porque fiquei olhando pra cima de boca aberta. Um pedaço de terra desabou e eu fui junto pra dentro de um lago. Fui salvo (como não deve ser difícil de imaginar) sem nenhuma sequela (isso é o que ELES disseram) mas mesmo assim isso me criou um bloqueio pra chuva. Claro que nem sempre que chove eu estou no topo de uma montanha com uma quantidade considerável de água embaixo, mas não há muita coisa que se possa fazer em relação a tua cabeça. Ela acha uma coisa e abraço - é isso ai, se contente com isso rapaz.

Por outro lado, gostava de pegar chuva quando não havia outra maneira. Não me importava com os pingos gelados na água pois sentia que tiravam todo o stress dos dias quentes e de quebra curavam essa ressaca emocional diária que me assombrava todos os dias.

Me senti uma adolescente falando isso, mas tudo bem. Meu lado homem é mais forte que meu lado moça então a batalha sempre estará vencida.

Voltando: como podem perceber, o peso da duplicidade atacou novamente e acabei de lhes dizer que não gosto de chuva mas, gosto de chuva.

Acho que é muita confusão até pra mim.

Apesar de, ao meu ver, ser perfeitamente normal.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 25/01/2014
Reeditado em 25/01/2014
Código do texto: T4663845
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