ALFORRIA POÉTICA... PRA QUÊ TE QUERO?

Não sendo literato, nem escritor e muito menos poeta, já em idade quase provecta, de repente me meto a “escrevinhar” o que me vem à mente e misturo sonho com realidade, verdade e mentira, amor e dor, sem morar na filosofia. De muitos ouço dizer que isto é inspiração e que a poesia não exige títulos ou diplomas para ser esposada, apenas que seu amante deixe emanar da alma, sem vergonha, o que a alma sente. De outros mais ortodoxos, ouço dizer o contrário e que a poesia só o é somente se enclausuradas as letras, nas linhas mais severas de um tecnicismo impecável, com operações quase matemáticas e até mesmo milimétricas e de sutis nuances. Mas antigo e inveterado ledor, lembro-me de uma frase do saber popular que ouvi dizer alhures: “cultura é o que resta depois que esquecemos tudo que aprendemos”. Seria possível? Certo é que ao escrever meus “sonetos” o fiz da forma mais empírica possível e assim os intitulava inocentemente quando, cutucado pela curiosidade me deparo com as regras básicas para se escrever um soneto. Qual não foi minha desilusão! meus “sonetos” tinham a forma, o jeitinho, tinham rima e até uma quase metrificação espontânea e decorrente do imediato pensar, mas passava longe das chamadas regras básicas e poderia ser até um poeminha, jamais, sequer, um sonetinho. Pobre de mim, e eu que já estava tão entusiasmado quando conseguia expressar minhas súbitas inspirações em dois quartetos e dois tercetos, às vezes em três quartetos e um dístico e até mesmo o monostrófico, mas sempre rimados. Até pensei em interromper meus arroubos de poeta amador e extemporâneo, mas eis que se esbatem de minha mente os grilhões, deixando surgir laivos de antigas leituras. Seria a cultura no dizer popular, aquilo que me restara quando a nevoa dos anos de antanho, tudo me fizera esquecer? Não sei, mas de repente me vieram à mente, lindos sonetos de Luiz Vaz Camões, o poeta maior da amada Língua Pátria e também os de um certo poetinha de nome Vinícius de Moraes. Qual não foi minha agradável surpresa quando bisbilhoteiramente percebi que nem o magistral infante lusitano, nem o poetinha tupiniquim haviam enquadrado seus famosos e festejados sonetos, por mim focados, nas rígidas formas exigidas pela ortodoxia literária. Então eu estava salvo, pensei exultante. Posso continuar minha suposta e tardia arte de sonetar! Ledo engano: Uma voz de quase censura me advertiu: Alto lá escrevinhador! Eles podem e tu não. Frustrado, indaguei pensativo: porque eles sim e eu não? Ora, respondeu-me a voz censurante – não vês que eles e muitos outros, possuem a LICENÇA POÉTICA? E eu ainda iludido... ah sim, e como faço para também conseguir tão valiosa carta? Daí-me também esta licença, imploro-vos! E como resposta recebi um humilhante, frio e quase tenebroso silêncio. Como para quem sabe ler, um pingo é um pingo, jamais uma letra, quase lancei meus provectos arroubos poéticos no poço escuro de minha própria insignificância, soterrando minha insólita pretensão. Mas eis que me disseram outras vozes: Não faças isto! Continua poetando e até mesmo sonetando, como um transgressor insolente, assim o fizeram muitos e muitos, até mesmo reles repentistas populares, leigos e iletrados poetas e poetisas, até que, de tanto transgredirem, foram ungidos e receberam, sem pedir, esta licença cuja falta tanto te assusta. E te digo mais, acrescentaram as novas vozes: há muita gente boa se rebelando e fugindo, tentando quebrar ou amenizar as regras que praticamente inviabilizam a criação poética repentina e espontânea. Andam por aí levantando bandeiras, com as inscrições ALDRAVIA, INDRISOS e “otras cositas más”. Tente, pois, se libertar por estes modernos movimentos, mas se quiseres, continua sonetando, a “torto e a direito”, quem sabe, se tempo houver, e de tanto transgredires, ainda consigas, pelo menos, meia licença?

ARAKEN BRASILEIRO
Enviado por ARAKEN BRASILEIRO em 18/01/2014
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