Anjos ou demônios?

Praia de Cachoeira do Bom Jesus, lotada. Chegamos quase à meia-noite para as boas-vindas a 2014. Gente cheia de esperança por saúde, paz e dinheiro no bolso para si, familiares e amigos. Era um clima único que só o ser humano pode proporcionar, assim como a violência gratuita.

Para surpresa das minhas filhas - que nunca tinham visto, havia um grupo de umbanda - vestidos às suas maneiras e ao som de tambores, também faziam seus votos de Feliz Ano Novo. Curiosas, elas me encheram de perguntas sobre aquele evento místico. Como na minha infância éramos vizinhos de um ‘terreiro’ e há poucos dias o Guy Veloso me ensinou como fotografá-los, pude compartilhar com elas todo o meu conhecimento.

Era um mundo de brancura. O branco da umbanda se distinguia apenas pelo tamanho das saias e bermudas brancas das catarinenses brancas. O misticismo de todas as religiões espalhava-se por toda a orla. Os fogos de artifícios daquele terreiro competiam com os rojões disparados dos clubes e casas em festas. O champanhe oferecido a Iemanjá era do mesmo tonel que brindávamos com nossos familiares. Era uma confraternização mundial: o mundo marítimo em cada onda acariciava a terra; indivíduos do mundo espiritual se confraternizavam com os terrestres.

Impressionou-se nossa capacidade de nos reunirmos espontaneamente num mesmo momento (meia-noite), vestidos iguais (branco), com o mesmo propósito (desejar felicidades). Meia-hora depois metade do público já tinha se refugiado no seu mundinho à espera da sonhada felicidade desejada minutos antes. “Se ela não vier a culpa não é minha... Fiz minha parte” – Teria murmurado alguém já recolhido.

Quando expliquei que aqueles umbandistas rodopiando ou com movimentos repetitivos estavam recebendo seus espíritos, uma das filhas se assustou e se afastou. Continuei. Aqueles espíritos estavam ali porque foram invocados. Se quisermos receber um espírito é só começarmos a pensar muito nele.

- Observe aquele moço. Percebeu o movimento brusco dele e ele quase que caiu? É porque o espírito que estava nele foi embora e vai baixar noutro terreiro. Aquele ali com cocar de índio é o espírito de um pajé. – Expliquei a um par de olhos esbugalhados... E completei: “os espíritos são do bem ou do mal”.

- Pai, somos nós quem pedimos o bem ou o mal?

- Sim. Veja que nesta praia estamos todos invocando os espíritos do bem. Só os que trazem saúde, paz e felicidade.

- Então somos nós quem escolhemos nossos anjos ou demônios?

- ...

Obs.: As fotos deste evento estão no meu Facebook/Notas.