Sem amarras, nem dor, e com prazer

- Escrever sobre o que é o Naturismo, seus mitos e verdades, é dispensável diante do muito já publicado mundo afora. Assim, vai uma narrativa do que um certo Espaço, o mais novo do gênero no país, oportunizou a um debutante na Filosofia, mas que contesta, de pé batido, os equívocos ainda disseminados acerca da cultura.

Eu ainda tenho muitas amarras, tenho certeza de que Cristiana tem muito para me ensinar. Sua crônica se aprofunda numa questão polêmica, a nudez, e suas palavras levam à reflexão

A frase que abre esse texto, que se trata dum comentário duma poetisa que também escreve aqui no Recanto das Letras, Ana Campos, postada ao pé da crônica intitulada A primeira vez de Cristiana, trás a baila, em duas plataformas traduzidas nas palavras Nudez e Reflexão, e em muitas variáveis, a questão que me trás a escrevê-lo. Sobre as quais, no entanto, seria impossível discorrer aqui a respeito de todas, dado ao tempo para leitura, mas que, embutido na narrativa, dissertarei sobre algumas.

Mas antes é preciso uma pausa para dizer que aquela cancela na entrada do lugar e nem mesmo o disposto no site onde se exibe as instalações do espaço, que mede mais de 80 mil metros quadrados, foram capaz de me dar a mínima noção do que eu, e minha esposa – que meio que a contragosto me acompanhou, encontraríamos ali dentro. Eu adoto a Filosofia há mais de 15 anos. Ela, no entanto, não assimila o que mais tem embutido na cultura além do ato da nudez. Nudez que, inclusive, neste lugar, não é obrigatória.

Não sem destacar o esforço, que não seria exagero algum classificar de descomunal, de dois homens, seu fundador, o desbravador Waldo Andrade (canga amarela) este que, segundo o próprio, abraçou a proposta por sugestão do naturista pioneiro e implementador da praia naturista de Massarandupió, Miguel Gama, e logo em seguida, do bravo Samir Said (canga azul), com suas respectivas companheiras, moradores que, antes do empreendimento, acreditando na acertada proposta de oportunizar às famílias baianas carentes de qualidade de vida e que não permitem que certas amarras lhe tolham deste prazer, ou que não vivem de braços dados com a hipocrisia, criaram ali um pedaço de paraíso, enfrentando o desafio absolutamente sozinhos, preciso dizer que meio que despreparado, ao destampar na clareira – esta, como que em confirmação da aquiescência da Natureza sobre a proposta, posto que fora aberta naturalmente, sem mão humana, recebi uma baforada de vida limpa que me entrou narinas adentro.

Meio que extasiado e sem dar muita atenção para a infra-estrutura lá implantada, fui tirado do carro e posto na cadeira-de-rodas. Ainda tentando me recompor do que não dá para definir com meras palavras lugar tão paradisíaco, e recebendo e dando beijo pra dedéu, tanto nas mulheres quanto nos homens, não conseguia bater os olhos, vidrados que estavam, só não percebendo quem não quis, enquanto imaginava como não seria viver num lugar assim. E quando me dei conta estava, depois do café, e de tomar uma, com cadeira-de-rodas e tudo fazendo trilha. Por onde havia caminho aberto, estes que medem uns dois metros de largura, lá estávamos nós. Acompanhados que éramos do Waldo e do Samir, conhecemos a menor "praia" do mundo – onde se pode ainda beber água, direta e despreocupadamente, duma bica natural. "Praia" que não descreverei aqui de propósito. Posto que o bom é estar lá. E não conhecê-la por imaginação.

À medida que avançávamos, uma surpresa atrás da outra; que tem num dos tentáculos a disposição de espaços caprichosamente reservados aos moradores, ou veranistas; noutro as clareiras que a Natureza, como fez na de entrada, esculpiu a servir de praças e estacionamentos; noutro, igarapés com águas límpidas com já não se vê; noutros uma, uma não, duas piscinas naturais; e noutro outra coisa, e noutro mais coisas, e noutro muitas coisas mais. Tudo o que é propício a se viver com qualidade de vida. É de tirar o fôlego. Ou melhor, de dar muito fôlego.

Falando nisso, aqui pausando mais uma vez, por que, ainda que não lhe interesse muito, você precisa saber o que mais envolvido há que ampara o que senti naquele domingo, naquela, quem sabe, despretensiosa visita, e que me embriagou de sonhos: Seis anos atrás comecei a sentir falta de ar, tendo que, sempre que precisava sair, tinha que esperar de 20 a trinta minutos dentro do carro chupando ar até que conseguisse dirigir. E o diagnóstico foi Aorta dilatada; problema cardíaco. Morando numa rua principal, e respirando mais dióxido de carbono que oxigênio, resolvi comprar um terreno num lugar onde houvesse o mínimo de poluição e nele construir uma casa. E assim foi feito. Construí a casa, andando para as críticas dos amigos metidos a melhorzinhos, num dos bairros mais pobres da cidade, o que fiz muito a vontade vindo da origem humilde de onde venho e à qual não negarei jamais - mas que, bem servido em arborização, logo mais rico em oxigênio por metro quadrado que qualquer outro que você conheça em área urbana. Resultado: nem percebi que tudo havia cessado. Passando a entrar no carro, bater na chave, e fui... De resto, no que diz respeito a isto, e embalado pelo descrito acima sobre a natureza da Estrela da narrativa, a dedução é sua. Que eu vou cá.

De volta da aventura, trilha afora, trilha à dentro, antes do almoço, saudável, vale o registro, entro numa roda onde se encontrava os desocupados mais adoráveis porém mentirosos, fora eu, sem mentira nenhuma, que se pode conhecer, onde, já que todos dotados de seus intelectos, se falava sobre um tudo: de causo cabeludo à causo sem cabelo, mas claro que com pinceladas numas e noutras anedotas. Só coisa séria. Afinal, a obrigação ali é relaxar. Viver tudo o mais distante possível do trivial do dia à dia. Uma tentação. Mas se quiséssemos passar o dia falando de política, ia bem, ou sobre economia também, ou ainda sobre... que sobre que nada, qualquer coisa diferente do que foi, além duma ofensa ao ambiente, teria sido um desperdício de tempo. Sem falar na falta de respeito que seria para com o que se dane o mundo que não me chamo Raimundo mais saudável de que se teve notícia desde Adão e Eva (ops).

E por falar em Adão e Eva, a pergunta que não quer calar: e a nudez? Além do fato de que esta é apenas um dos itens do Naturismo, e, repetindo, lá não obrigatória, e sobre a qual muitos já refletem a respeito se considerado o muito que se tem esclarecido acerca disto, não me incomodou. Ao contrário do que acontece com a Ana Cristina, autora da frase que abre este texto, minhas amarras, apesar da minha cara-feia, foram desatadas há muito. Acho que desde que nasci. O que, para minha esposa, assim como pensa a Ana Cristina, não tirou o passeio tão de letra assim. O que aconteceu, mui-naturalmente com as demais mulheres lá presentes, mães de família, que tinham em sua companhia o casal de vestidos, filho e nora dos anfitriões, de uns 30 e uns anos, talvez, como também minha companheira. Participantes que eram de cada gargalhada, que corria solta a cada estória contada, tanto na roda feminina quanto na masculina, que de vez em quando se misturavam.

Com a tarde com cara de indo, desce todo mundo para uma das piscinas, que recebe a todos com um abraço de verde, de muito verde, enquanto refresca uns e convida outros menos corajosos devido à sua temperatura, mas que sem muito sucesso. Numa mesa, ao lado dum imenso quiosque, umas mulheres, entre estas a esposa do presidente da Federação Brasileira de Naturismo, me encantam ainda mais com a paciência que empregavam na minuciosa feitura dumas mandalas, que fariam parte das dinâmicas de durante as confraternizações de fim e início de ano, oferecida às famílias que lá estariam – doação pura. Enquanto isso, os nuelos e nuelas continuavam, despojadamente, se divertindo 'na piscina'.

Não é preciso fazer muito esforço para me vir à memória, seja numa mesa de bar, seja andando na rua, ou noutro ambiente qualquer onde se encontre homem e mulher vestidos, um clima de azaração. Lá não. Lá não. E pra não restar dúvidas, lá não.

Mandala ainda pela metade, um bando de seco, e outro de molhado, sobe todo mundo. E eu na, quem sabe, única cadeira-de-rodas off Road de que se tem conhecimento, meio que com o intimo emburrado feito criança que não quer ir pra escola, também tomo o rumo do bar onde tomo ôta pra tomar coragem de subir no carro; mas não sem antes bater o papo-saideira com o Waldo, enquanto tentávamos dissuadir, sem sucesso, a minha santinha de voltar no mesmo dia. Zangado, sou posto no carro por três sacanas, quer dizer, bacanas, quando vim perceber que o meu trivial de há 15 anos, aliás, o de todo tetraplégico, aquele dia, o dia todo, graças a Deus, me abandonara: não notei uma gotinha sequer de dor.

Devo essa a, juntamente com a turma, Eco-vila da Mata...