Humanoides com crachá

O desgastante e ininterrupto aprimoramento profissional exigido pelo atual mercado de trabalho vem sutilmente desumanizando as pessoas, hibridizando-as, tornando-as escravas inflexíveis das regras.

A facilidade de comunicação da qual desfrutamos atualmente, aliada a lobotomia laboral ministrada por inúmeras empresas tem aniquilado a capacidade de tomada de decisões desses trabalhadores que quando estão diante dos mais simples e corriqueiros obstáculos, acionam instintivamente seus aparelhos ultramodernos para consultar seus superiores sobre que posição tomar, quando a natural fluidez do bom senso solucionaria a questão.

Há também os que se dedicam a informar banalidades a todo o momento aos seus superiores, tentando desta forma mostrar eficiência profissional, que a meu ver não passa de temerosa e mesquinha subserviência.

Há uma infestação “androidiana”. O hibridismo profissional vem se tornando cada vez mais comum no cenário laboral. O antiquado trabalhador biológico parece estar cada vez mais impregnado de sistemas, transistores, fios, componentes eletrônicos...

O fertilizante mental no qual minha mente vive mergulhada me mostra pen drives acoplados nas nucas desses “cyborgs”. Poderia jurar ter visto entradas de USBs por detrás de suas orelhas ou camufladas em meio aos cabelos nalguma parte de suas cabeças.

As emoções foram suplantadas por um severo e inflexível conceito de regras que prioriza: aprimoramento profissional, erradicação total e definitiva de todos e quaisquer atos errôneos, equivocados. Como se isso fosse possível!

A camaradagem e o bom senso foram extirpados, denominados obsoletos, retrógrados. Talvez não abertamente, mas na prática, cotidianamente é o que tem ocorrido.

Vez por outra ouço a conhecida e agressiva frase “Não estou aqui para fazer amizades e sim para trabalhar”

Esses Cyborgs detectam e apontam os erros alheios como se estes fossem o passaporte para os cargos que almejam. Utilizam os deslizes dos seus colegas para construir seu pseudo pedestal de competência. Apontam, vociferam e se irritam com erros dos colegas, dos quais eles mesmos não estão imunes de cometer, tentando desta forma, impressionar aqueles a quem julgam ser os trampolins para sua ascensão profissional.

Nós que não somos híbridos, que somos formados somente de material biológico/espiritual e por conta disso, ainda subordinado aos encantos das emoções. Nós que somos profissionais descontraídos e flexíveis, que procuramos estender o relacionamento – Sempre que possível – para além do âmbito profissional. Nós que possuímos jogo de cintura, que ignoramos alguns deslizes bobos, estamos fadados a sofrer ao convivermos com companheiros lobotomizados que constantemente adentram o espaço laboral, sempre norteado pelas regras neles implantadas.

Cabe resaltar que os termos “descontraídos” e “flexíveis” acima mencionados não devem ser interpretados como “incompetência”, tão pouco como “irresponsabilidade”, muito pelo contrário. Foram esses profissionais - unicamente humanos - que alavancaram a nação ao atual patamar em que ela se encontra.

As mulheres tem se curvado mais facilmente a esse sistema. Atitude perfeitamente compreensível não só pela natureza mansa, equilibrada, carinhosa e competente muito presente, eu diria até peculiar do sexo que ovula, mas também pelos fatos registrados nos séculos de outrora, quando foram errônea e covardemente privadas de mostrarem seus inúmeros predicados. Fator determinante que as tem impulsionado para o crescente e justo clamor pela liberdade feminina amplamente explanada nos últimos anos. Nada mais sensato que - sentindo-se alforriadas - elas queiram mostrar competência exacerbada.

Mas essa produção “androidiana” não é exclusividade do universo feminino, há um número grande e crescente de homens também se submetendo a esse sistema que aos poucos vão os tornando menos humanos, mais racional e menos emocional. Spoks terráqueos e não vulcanos. Mas para que essa lavagem cerebral seja bem sucedia é necessário que o funcionário em questão possua em alguma parte do seu universo corpóreo o vírus do “puxa-saquismo”. Os que não possuem essa tendência conseguem ludibriar a lobotomia, agem como o interno no hospício que finge ingerir os comprimidos por eles servidos para depois os cuspi-los no ralo.

Dia desses, estava eu e um “amigo” semi-humano que conduzia o carro da empresa. O transito estava absolutamente parado, o acostamento tornou-se uma pista a mais com pesado fluxo dos mais variados veículos por ali transitando, mas o semirrobô manteve-se firme ali. Andava um metro e esperava 15 minutos para percorrer mais um metro. Um trajeto que levaria não mais que 20 minutos, consumiu 90. Percebi que em alguns momentos a angustia o atormentava, o engarrafamento o consumia, ele se mostrava nervoso. Passou a olhar o retrovisor irritado, fazia menção de que iria ignorar as regras e utilizaria também o acostamento. Eu naturalmente fiz figa e passei a impulsioná-lo mentalmente.

Inútil! O lado humano que esses bonecos possuem dá sinal de existência, força e exige que eles pratiquem atos que facilitariam seus dias, seus trabalhos, mas o chip fincado em suas nucas possui poderosíssimo programa de controle e nesses momentos um alarme é acionado em sua mente e um giroscópio dispara emitindo luz vermelha, seguido de um pronunciamento sonoro intracraniano “Alerta! Alerta! Quebra de regra”.

Depois de algum tempo analisando a conduta desses funcionários da nova era, concluí que: mesmo que o mais valioso ente querido deles estivesse a bordo do veículo, mesmo que este parente ou “amigo” estivesse correndo grandioso risco de vida, ele não burlaria nenhuma regra, exceto se o carro não fosse da empresa, se fosse veículo partícula. Furar o sinal vermelho nem pensar. Trata-se de um comportamento extremamente antiprofissional, hediondo, inadmissível.

Esses alienados são incapazes de diagnosticar uma mera brincadeira de uma ordem.

Se o “chefe” lhes enviar uma mensagem pedindo para que trabalhem pulando em uma única perna, eles o farão, mesmo que seja nítida brincadeira do seu superior, mesmo que a empresa esteja a centenas de quilômetros de distancia. Afinal, ordens são ordens!

Não tenho dúvidas de que no DP dessas empresas, na pasta dos funcionários, encontraremos alguns nomes seguidos de nomenclaturas tipo: “fulano de tal”. Equipamento XWOB-37/1s2 ou Protótipo XWOB-37/1s2. Quando em experiência.