SERIAL KILLER

Outro dia eu assisti a uma entrevista da atriz Brigitte Bardot e fiquei chocado. Não era ela. A mulher que eu vi na minha frente – face carcomida, olhos desalinhados, pele repuxada, sulcos espalhados ao longo do pescoço, veias e artérias em alto relevo como se fossem as montanhas rochosas – não era a Brigitte Bardot que eu amei na adolescência, musa do filme “E Deus criou a mulher”.

Mas era. E é. Agora está envolvida na defesa dos animais. Se morasse no Brasil, certamente teria participado da invasão ao Instituto Royal. Eu não participei, mas fiquei pensando nas artimanhas da beleza. Seja na vida real, como na mitologia e na ficção.

Narciso, de tão belo, apaixonou-se por ele mesmo. Dorian Gray fez um pacto com o diabo para permanecer jovem e belo, enquanto envelhecia no seu retrato. Em ambos os casos o final foi trágico. É que, para todos os casos, prevalece a antiga advertência de Ovídio: “tempus edax rerum”. Tempo destruidor das coisas. Sobretudo destruidor da beleza, este atributo imponderável que veste as pessoas como um traje de gala natural. Que abre portas e incendeia corações. Que transpõe montanhas. Deflagra guerras. Constrói famílias. Inspira o amor e provoca o ódio.

Beleza que, no alvorecer da vida, tem valor próprio, como uma entidade autônoma. E em situações extremas tomba junto com a vítima, tornando mais hediondo o crime (“Ela era tão bonita...”). Nesses momentos de insanidade o assassino comete duplo homicídio: mata a pessoa e mata a beleza, antecipando a ação deletéria do tempo, à qual ninguém está imune.

É, meu amigo, ninguém escapa. Em maior ou menor escala, todos somos Brigitte Bardot. Se você, como eu, já cruzou o cabo da boa esperança, basta olhar a foto mais recente de sua identidade ou passaporte. Lá estão elas, implacáveis, abrindo trilhas no seu rosto. Rugas: carimbo do tempo. Cada vez mais atrevidas, na posse desse latifúndio.

Por isso eu digo, sem trocadilho, que o tempo é o maior serial killer de todos os tempos. Sádico, ele mata sua presa aos poucos, impiedosamente, ano a ano. Até desfigurá-la, se for preciso. Como fez com a minha Brigitte. Porque quanto maior a beleza, maior o tributo a ser pago.

E isso me traz um dilema inquietante porque no mês de janeiro eu vou a Búzios, de férias. E lá vou encontrar a estátua dela, plantada na praia, dando boas vindas aos visitantes. E o que vou dizer para a minha ex-deusa? Que não a amo mais? Que ela não devia ter concedido aquela entrevista? Que deveria ficar reclusa, como Marlene Dietrich, para não quebrar o encanto de seus fãs? Ou, ao contrário, devo repousar a cabeça em seu colo e cantarolar os versos do Poeta:

“Pouco importa venha a velhice, o que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 17/11/2013
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