Sempre Pessimista!

Não, não era um dia comum. As pessoas todas haviam acordado com aquele espírito de que existe esperança. O dia estava lindo, o sol radiante iluminava e coloria. O ar era puro como a muito tempo não se sentia, com toda essa questão da poluição. Definitivamente o dia perfeito para ter esperança de um futuro melhor. Mas Carlos, que era um pessimista fanático de plantão, não pensava dessa forma. Logo pela manhã, quando acordara e sentira o ar fresco e puro penetrar nos seus pulmões ele sentira que havia algo errado. Sentimento esse que se confirmou no momento em que ele abriu a janela da sala e percebeu o dia absolutamente perfeito que estava fazendo. Mesmo com este sentimento de alguma coisa anormal ele tomou seu café da manhã. Comia pouco, apenas uma fatia de pão com margarina e uma xícara de café com leite. Detestava desperdício, e comia apenas o suficiente para se manter vivo até a próxima refeição, afinal seu pessimismo não deixava ele se desfazer da idéia de que nunca se sabe até que hora do dia se conseguirá ficar vivo. Era esse ponto de vista que fazia com que ele fosse econômico, pois seria dinheiro jogado fora se ele tomasse um café da manhã daqueles de hotel fino, cheio de frutas e bolos, além de pães de todos os tipos, e de repente, no meio da manhã viesse a ser atropelado pelo ônibus, que por ironia do destino era aquele que ele apanhava todos os dias para ir ao trabalho. Após seu café da manhã saiu e assim que ganhou a rua notou que as pessoas estavam todas contaminadas com uma onda de otimismo e alegria. Até o trânsito estava calmo. Todas as manhãs ele andava aproximadamente uns 150 metros pela avenida da orla para chegar ao seu ponto de ônibus, e desde que fazia esse percurso não tinha se passado um dia em que não tivesse visto dois motoristas completamente insanos gritando com a cabeça para fora do carro e gesticulando com as mãos, chamando o outro de meia roda, barbeiro e outros adjetivos mais. Pois este era o dia. E por um momento passou pela cabeça dele que esse seria sim um dia especial, mas logo que se viu nesse pensamento balançou a cabeça e respirou fundo, estufando o peito, como se tivesse estado fora por alguns segundos e agora tivesse voltado a si. Chegou ao trabalho uma hora depois e foi recebido calorosamente, todos o cumprimentaram e sorriram, num gesto até muito incomum, afinal de contas não podemos negar que os pessimistas não são muito bem vindos no nosso dia-a-dia, não que estejam completamente errados com as suas previsões sempre catastróficas, mas apenas porque apesar de muitas delas se confirmarem nós preferimos começar o dia com um fundinho de esperança, que é o que nos mantém lutando. Ele trabalhava em um escritório de advocacia, era encarregado da copiadora, e apenas isso. Na maioria dos dias logo pela manhã era encarregado de tirar centenas de cópias de processos, que normalmente já eram suficientes para lhe garantir trabalho incessante até o final de seu expediente. Mas nesse dia não. Alguns advogados lhe procuraram e pediram algumas cópias de poucas folhas, e só. Até a hora do almoço, quando normalmente já estava extremamente cansado, e até entorpecido pela luz emitida pela copiadora, dessa vez foi diferente, ele estava descansado e com muito tempo ocioso. Mas isso não serviu para melhorar o seu humor, e sim para piorar e o deixar mais desconfiado de que algo terrível aconteceria. Quando voltou do almoço já apresentava os primeiros sinais de desespero. Tinha vontade de gritar a todos que algo estava muito errado, e dizer a eles que procurassem suas famílias e fossem todos a um lugar seguro. Mas já sabia que seria ridicularizado, que seria censurado por todos aqueles olhares furiosos e depois evitado como se nem estivesse presente. Ele já conhecia muito bem as conseqüências do seu pessimismo. Enfim, passou uma tarde tranqüila. Nada de especial. Muito pouco trabalho e muitos sorrisos simpáticos e acolhedores. Chegou ao fim do deu expediente. Ele saiu correndo pela porta afora, se debatendo em todos que passavam por ele. Agora sim estava completamente desesperado. Chegou em casa em tempo recorde depois de conseguir pegar o ônibus do horário anterior ao que costumava pegar. Começou imediatamente a sua jornada de ligações, procurou ordená-las pelo grau de importância do familiar. Ligou para todos espalhando a má notícia. Falou que deveriam procurar abrigos, se esconder e se proteger da melhor maneira possível. Ainda com muita propriedade aconselhou que levasse todo o estoque de comida que pudessem para se fosse preciso se abrigar por mais tempo já estivessem preparados. Todos o atenderam bem, e a maioria até ouviu o que ele tinha a dizer, mas, estando acostumados ao jeito pessimista de Carlos, não deram muita atenção. Apenas agradeceram os conselhos, desligaram e continuaram as suas vidas. Mesmo o Carlos achou que seria impossível procurar algum abrigo, mas decidiu dormir em baixo da cama, e levou até alguns alimentos não perecíveis. Ficou lá acordado por bastante tempo, mas acabou pegando no sono. Fato é que não houve dia seguinte. Algum evento climático extremo ocorreu durante a noite, provavelmente causado pelo aquecimento global, que afinal é o assunto da moda, não se ouve falar em outra coisa, e pegou a população mundial de surpresa. Nos lugares onde ainda era dia as pessoas até puderam sentir os primeiros segundos de mudança de temperatura brusca. Já Carlos não teve essa sorte, morreu dormindo, assim como grande parte daqueles que ele tentara avisar. E ainda ficou a frustração de não ter podido dizer a ninguém que ele é que estava certo, e finalmente provar que os pessimistas são quem tem a razão. Da catástrofe não existiram sobreviventes.