MAS ONDE?

Barulho de vidros estilhaçando, pancadas fortíssimas arrebentando tudo e a voz de ameaça: “abra ou entro e acabo com você”! Apenas a porta do quarto me separava deste terror, uma porta prancheta, a mais frágil de toda casa... que não cedeu, resistiu a tudo que tentaram para derrubá-la...

Depois de sofrer este assalto à mão armada, fiquei um pouquinho descompensada. Comecei a ter uma vontade incontrolável de ficar sob da cama, era o lugar onde me sentia segura. A família insistia para que eu procurasse um psiquiatra, mas só percebi o quanto estava incomodando e concordei em ir, quando escutei um dos meus filhos falando para o outro, ao chegarem em casa: “Ontem fui eu que tirei a mãe debaixo da cama, hoje é sua vez”!

Depois de analisar o caso, o psiquiatra deu-me uma tarefa. Teria que escutar os meus gritos durante dez minutos, na maior altura possível. Negociei, isto era demais, estaria afônica no dia seguinte. Ele então diminuiu o tempo para cinco minutos. Foi um bom negócio. Perguntei onde faria isto? Tive como resposta a dura observação de que eu estava resistindo ao tratamento, seguida de um sonoro e frio, “SE VIRE”! Foi um mau negócio.

Quebrando a cabeça com a questão, veio-me uma ideia luminosa. Fecharia as janelas do carro e gritaria à vontade. A luminosidade logo se esvaiu, lembrei que o ladrão levara o carro também. Tampei a boca com uma almofada, mas nem eu mesma me escutei, abafou demais. Não houve recurso, comecei a gritar a plenos pulmões.

Daí a pouco a campainha tocou. Era a vizinha da frente, escondida atrás de um vaso de planta com os olhos esbugalhados, perguntou assustada se estava havendo outro assalto, que eu ficasse tranquila, ela já havia chamado a polícia. Expliquei-lhe tudo, mas tive que explicar novamente para os guardas e ainda aguentar um baita sermão.

Tentei continuar com a tarefa, mas foram chovendo reclamações, eu acordava o bebê, incomodava a vovó, atrapalhava o outro de estudar. Desisti de fazê-la em de casa, mas onde poderia?

Fui para uma praça, os pivetes zoaram e foram logo dizendo: “vamu tacá pedra nela”! Tentei o Parque Municipal, crianças para todos os lados. Tenho toda certeza de que crianças não nascem, proliferam. Mães e babás vieram para tocar a doida que estava assustando os meninos. No clube a direção reclamou, eu denegria o bom ambiente. O campo de futebol era longe demais para ir todos os dias. Andando em voltas pelo quarteirão, chamaram o sanatório, tive que fugir...

Será que alguém pode me dar uma ideia de onde é possível GRITAR morando em uma cidade grande?