Entre príncipes e sapos
O namoro é a fase da contemplação. Idealizamos, projetamos, como o mundo ideal, os dias calmos e românticos e acreditamos que o outro nos fará felizes para todo o sempre.Tal qual um livro de Alencar ou o mais romântico filme de Cassavetes. Chega finalmente o dia do sim e ele acaba por ser, quase que via de regra, o marco das desventuras em série. Acordamos, certa manhã, depois do fatídico dia, e descobrimos subtamente que dormimos com um sapo ou, na pior das hipóteses, com o cavalo do príncipe encatado.
Há exceções, é claro, mas são poucas. Há também casos inversos em que a princesa transforma-se em bruxa horrenda. Entretanto o maior desvelo está na idealização feminina do homem.
Seria cômico se não fosse trágico e não desustruturasse pessoas que pensavam viver equilibradamente ou disimasse e machucasse famílias inteiras. A verdade é que quase sempre estamos despreparados para lidar com os nossos fantasmas do mundo ideal, verdadeiras assombrações, monstrinhos que fazem ninho em baixo da cama, e que costumam aparecer nas circunstâncias estressantes e inusitadas do cotidiano matrimonial.
Não bastasse a tábua do banheiro erguida e respingada, a toalha de banho molhada jogada por sobre a cama, as meias e sapatos largados em um canto do quarto, o controle remoto da televisão nas mãos egoístas do maravilhoso príncipe, o jogo de futebol e a pouca ou quase inexixtente conversa - comuns em todos os lares -, hábitos estranhos, como a falta de banho ou a coceira distraída no saco, enquanto se assiste ao programa preferido, entram em cena e não estavam no script original feito antes do dia d. Ainda assim, o conjunto de hábitos que vão de encontro aos projetos dourados das moçoilas sonhadoras não representa a parte maior da poção mágica que transforma príncipes em sapos.
O desgaste comum de todos os relacionamentos desfaz até promessas para Santo Antonio. São as contas para pagar no final do mês, as despesas com médicos e farmácias, as compras para abastecimento da casa e uma lista infinda de detonadores de lares universais. O cotidiano torna-se, assim, um engodo do qual quer-se livrar tão logo seja possível.
Mas nem tudo está perdido... Há sapos que conseguem reverter o jogo e passam a ser vistos novamente como príncipes. Casos raros, é verdade, mas plausíveis.
Eu, particularmente, prefiro acreditar que em todos os casos essa reversão seja possível. Quero crer que as pessoas sejam verdadeiras e o amor que sentem umas pelas outras seja capaz de transpor todas as barreiras.