O cheiro do amor (EC)
Já parou para pensar que tudo na nossa vida se resume a sensações? Sensacões de euforia, de tristeza, de prazer, de dor, de alegria, de perda, de ódio, de saudade, de amor. Sensações que movem o mundo, que quando sentidas em sua forma plena podem nos levar ao êxtase ou ao fundo do poço, sem meio termo.
E não há como ser o contrário, certo? É algo que não podemos evitar. Não há como não sentir a saudade de um amor que se foi, ou o frio na barriga por um nova paixão. Como seria viver da frustação de coisas não sentidas, de beber de copos meio cheios ou meio vazios? Certo dia, um amigo me disse que eu sofria demais porque eu amava demais. E teria como amar de menos? O amor não pode ser dado em doses homeopáticas. Amigo leitor, cá entre nós: nessa confusão toda de sensações, o sentir (seja lá que sentimento for) é algo deliciosamente perigoso. Então, porque não sentí-lo?
E como falar de sensações sem mencionar os sentidos? Afinal de contas, são deles que vêm as sensações. Quando falamos em paixão, pensamos na troca de olhares, num perfume marcante, nas carícias, no frisson do beijo. Tudo isso tem a ver com os sentidos, com o sentir de forma plena, do inevitável e deliciosamente perigoso. Esse sentir, ou melhor, esse sentimento do mundo, como diria Drummond, é o que nos move, é a adrenalina que nos faz respirar e continuar vivendo.
E o amor - ah, o amor - é o mais perigoso de todos esses sentimentos, pois não há volta: uma vez que você ama é para sempre, e se não for, esse amor deixa marcas em forma de saudade, de ódio, de nostalgia, de memórias que não se apagam. O amor que não fica em sua essência sempre deixa algo secundário a ele, que pode ser bom ou ruim - ele é sentimento primário, o resto vem depois, é consequência, daí sua importância. Sendo assim, ele envolve todos os sentidos: visão, tato, olfato e paladar.
Já que falei de sentimentos, de sentidos, de paixão, das dores e prazeres do mundo, como seria o cheiro do amor?
Para mim, o amor tem cheiro do bolinho de chuva de minha falecida avó. Tem cheiro do cobertor velho do meu pai - eu sempre cheirava-o quando ele estava longe de casa, fazendo hora-extra. O amor tem cheiro de mato do parque que costumava fazer piquenique. Tem cheiro de tijolo, cimento e pedra da casa que ajudei a construir. O amor tem o perfume do meu primeiro amor.
Amor tem cheiro de vida, cheiro esse que respiramos e nos nutre. Como disse antes, não tem como evitar - teríamos que parar de respirar; está ao nosso redor, feito fruto. Mas não basta só colher, tem que semear, pois quem inspira e expira esse ar é bem aventurado. O cheiro é suave feito brisa, mas quando passa vem em forma de déjà vu - nos faz lembrar de coisas que estavam guardadas no nosso baú da memória e que não podemos esquecer, pois é o que nos torna mais humanos.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo -
O CHEIRO DO AMOR
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