A FORÇA DE UMA PALAVRA

A palavra tem força? Eu afianço que sim, pois já passei por tal experiência.

A escritora Rosenfeld já escreveu no seu artigo que "a palavra pode levantar ou derrubar, agradar ou desagradar, emocionar ou irritar, trazer para perto ou afastar. Pode ser mel ou fel, tanto para quem ouve como para quem fala".

A palavra pode ser violentamente vomitada, ou então, deslizar pelos lábios como brisa suave.

Conforme o som da palavra dita, ela vai fosforilando, numa dança louca, em movimentos lentos que partem da boca, e se aperfeiçoa num escutar tranqüilo.

De um jeito ou de outro ela transforma.

É simplesmente o resultado do efeito do movimento da asa da borboleta. Tudo pode acontecer.

A vida nos surpreende.

Era uma tarde fria e chuvosa. A lama teimava em sujar os calçados, e a roupa daqueles homens que abriam as valetas para alicerçar as bases primeiras da Refinaria.

Um a um, vinham até mim para assinar os documentos ou recibos de adiantamento.

O jovem, na fila, passou a mão nas calças para limpar o barro, e num gaguejar terrível perguntou:

- onde coloco meu dedo?

Olhei com assombro para ele e perguntei:

- De onde você é?

- Sou do Ceará, respondeu-me envergonhado, com dificuldade, atropelando as palavras.

- É a primeira vez que vejo um Cearense analfabeto! estou decepcionado com você.

Fui duro com ele porque sou contrário que alguém seja privado da leitura e da escrita. Sou muito mais severo e pouco tolerante quando isto aconteça com um jovem.

Ele sujou o documento com seu dedo e se afastou cabisbaixo.

Uma surpresa boa alguns dias depois aconteceu.

Voltava do almoço e aquele gago analfabeto estancou na minha frente e gaguejando perguntou:

- Você me ajuda nas minhas tarefas?

- Este cara está de sacanagem comigo! pensei cá com meus botões, e grosseiramente perguntei:

- Ajudar no que?.

- Matriculei-me num curso de alfabetização para adultos, e tenho dúvidas, com relação a alguns deveres que o professor me passou.

Quase cai de costa.

Aceitei de imediato ajudá-lo, e assim dia pós dia, eu trocava meu horário de descanso pós almoço pela ajuda aquele analfabeto. Para incentivá-lo a corrigir a gagueira, falava sempre do grande orador grego Demóstenes, que à força de perseverança, ultrapassou o problema da gaguez, declamando poemas, enquanto corria contra o vento, com a boca cheia de pedras.

Saí da Petrobrás e nunca mais ouvi falar do jovem gago analfabeto.

O domingo amanheceu lindo, e me preparava para ir a missa no Colégio que ficava em frente a nossa casa. Alguém bate palmas no portão.

- Deve ser o pedinte de sempre, comentei com a Alice.

Antes de preparar os alimentos para ir entregar ao mendigo, resolvi dar uma espiadela.

- Não me parece ser pedinte não! comentei. É um cara bem vestido.

- Pois não?

- Seu Mario, não me reconhece? Fez-se ouvir aquela voz lá no portão.

Tenho alunos tantos, sou consultor, quem sabe, talvez alguém desse meio.

Fui sorridente até o portão e disse:

- Não estou reconhecendo você não!

- Vim convidá-lo para minha formatura!

- Muito obrigado, mas quem é você.

Abri o portão convidando-o para entrar, e ele em tom sério disse:

- Um dia alguém cutucou profundamente o meu íntimo quando disse: "É a primeira vez que vejo um cearense analfabeto"

Fiquei pasmo! Que mudança! Quase não acreditei.

- E a gagueira? perguntei incontinente.

- Segui o exemplo de Diógenes, não com as pedras na boca, é claro, disse me ele rindo, lembrando de sua gagueira.

Hoje não me recordo se foi direito ou engenharia civil que ele concluiu. Fui a formatura e pude ver, com certo orgulho, aquele formando fazendo o discurso da turma.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 28/07/2013
Código do texto: T4408976
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