Encarando o mar

Madrugada do primeiro dia do ano...

Observo um rapaz à beira-mar, estático, camisa branca esvoaçante, pés descalços, a contemplar a escuridão do oceano. Uma após a outra, as ondas acariciam seus pés. Atrás de nós, uma euforia bêbada passa na avenida; à nossa frente, uma imensidão descansa em silêncio.

O momento é mágico. O oceano espalha-se diante de nós, majestoso e indiferente. Nuvens enegrecem a paisagem até onde a vista alcança. Não dá pra saber exatamente onde começa a linha do horizonte. Mas isso não é importante. O certo era que nenhuma pintura, música ou obra humana poderia superar o mistério que repousava sobre aquelas ondas, cujo som nos era trazido por um enérgico vento. Vou me dando conta de alguns contrastes: a camisa branca na escuridão, o frio do mar comparado ao calor da algazarra, a necessidade de se isolar em meio à ânsia de estar rodeado por pessoas. Porém, o mais significativo dos contrastes vem das sensações que eu imagino que o rapaz esteja experimentando.

Ele está dividido. Por um lado, sente-se um gigante, um ser poderoso, que foi capaz de sobreviver a mais um ano de tormentas e que testemunhou há pouco a chegada de um novo ciclo. Por outro, a visão do negro oceano o faz perceber o quanto é pequeno, talvez insignificante, perto da vastidão do mundo. Para as águas, seus problemas não têm importância. Para aquele céu, para o universo além, ele é ínfimo, uma poeira, um grão de areia na praia do cosmo. Pela rigidez na postura, eu posso supor que o rapaz não está aceitando isso com humildade. Parece ofendido, indignado.

Ele olha com tanta intensidade e concentração para as águas que é quase como se ele e o mar estivessem se encarando. Imagino que a fisionomia do mar não seja de raiva, nem de censura. Tampouco é romântica, pois não há lua, nem estrelas, suavizando-lhe as feições. As calmas marolas sugerem um ar paciente que busca a amigável persuasão. O leve enrugar das águas, a despeito do vento forte, transmite conciliação, paz. E as ondas, roçando gentis entre os pés do rapaz, parecem um convite para um diálogo.

Subitamente, o rapaz me surpreende. Estende os braços para os lados, o mais abertamente que pode, como que se entregando, se rendendo, a toda aquela imensidão. Confuso e ao mesmo tempo encantado, percebo que ele desistiu de medir forças com o mar. Na verdade, prefiro pensar que desde o início ele veio aqui para celebrar a vida através de uma comunhão com a Natureza, mas se equivocou achando que conseguiria isso em um nível racional, lógico. Não, concluiu, é preciso sentir, não pensar. Agora, finalmente conseguia deixar-se levar pela essência fundamental da Natureza, encontrando uma alegria mais verdadeira do que a que podíamos presenciar na avenida.