Palavras certas na hora errada

Algumas pessoas precisam ser vistas e tidas como importantes no seu meio. Isso leva muita gente a cometer absurdos, sacrificar valores e até ferir outros, enquanto busca com afinco a tal "popularidade".

Eu me lembro de uma, em especial, que nos anos 80, depois de retornar de uma viagem à então União Soviética, sabendo que eu era escritor, quis contratar os meus serviços. Não lhe bastava ser uma promissora empresária, uma ilustre profissional de sólida carreira e recém-empossada num alto cargo federal, além de herdeira de grande patrimônio deixado pelos pais. Ela queria mais. Precisava que eu escrevesse sua história.

- Tenho certeza que isso vai convencer meus familiares e amigos de que eu sou uma referência, uma mulher completa e que não preciso de um casamento pra ser "alguém" na vida, disse ela.

Depois de me deixar cópia da proposta, como toda pessoa metódica e acostumada a contratos, pediu-me que lhe enviasse a resposta em carta registrada, contendo valores, prazos e o que mais eu julgasse imprescindível para a missão até tal dia - o que serviria como documento para embasar o contrato.

Eu, já no limite do prazo dado por ela, enviei a contraproposta, com valores que me salvariam as finanças e que ela mesma já aprovara em nossas primeiras conversas. À época, com o nascimento de minha segunda filha e a decisão de deixar a rádio Tropical FM, eu tinha certeza de que esse projeto garantiria os próximos meses e, dependendo das vendas daquele livro, poderia dar muitos outros frutos, pelo alto percentual que me seria dado como direito autoral.

Até aí tudo estava indo muito bem.

Anexada à sua proposta, ela deixara um bilhetinho mais ou menos assim: "Espero que não seja uma missão muito difícil pra você escrever a minha história...". Então, anexei à contraproposta a seguinte observação: "Minha prezada..., é fácil escrever a história de alguém. O difícil, numa história, é fazê-la. Para escrever o passado, basta tomar conhecimento das lutas, dos obstáculos, das vitórias, dos tropeços e de possíveis fracassos... Difícil mesmo é traduzir anseios, sonhos e receios; traduzi-los e saber o momento certo para estar quando for possível apoiar e afastar-se quando a presença for um incômodo. Isso é conviver: e convivência é tradução, é entendimento, é ciência que muitos estudam e poucos se diplomam com algum louvor. Talvez o que te falte não seja quem escreva uma história, mas alguém que a escreva contigo".

Dias depois, ela me telefonou agradecendo pelo conselho e, um ano depois, recebi seu convite de casamento.

Moral da história: Conselho bom realmente precisa ser vendido.

Cá entre nós, eu deveria ter feito o contrato, terminado a biografia e deixado o conselho para o encerramento do livro...

São Paulo, 26/07/2013 – 14h04