CERTIDÃO DE NASCIMENTO (Série Palavras Proibidas)

Você tem face? Você tem face? Você tem face? Puta que pariu! Ninguém me perguntava mais outra coisa. Primeiro, praticamente, me obrigaram a comprar um celular. Resisti o quanto pude, mas não o suficiente para ainda estar liberto. Quando começo a me adaptar, a deixar de esquecê-lo no carro, na padaria, no bar, na privada. Vem mais uma merda que não me cabe entre as pernas. Com expressões que só podem ser para gozar da minha cara: “Eu postei um trecho do seu livro, professor, curta lá e compartilhe.” Tá. Certo. Vejo depois. De repente, pararam de perguntar e já agem como se facebook fosse minha certidão de nascimento, é isso, sai da maternidade com ele, então não precisa mais perguntar se eu tenho, a frase é “Vou te mandar um convite! Aceite, viu!” Ninguém me convida mais para tomar uma cerveja, dar um pulinho lá em casa, jogar dominó.

Minha filha monitora o e-mail que fui condenado a criar. Sou totalmente avesso a computador. Na verdade, sou avesso a tudo que pode me afastar de mim e do mundo que criei. É com uma puta dor que muitas vezes tenho que olhar para aquela tela para corrigir ou ler algum recado da editora. Sinto como se, a qualquer momento, ela pudesse me engolir.

Outro dia ,soube que alguma alma, não sei ao certo se boa ou sebosa, fez-me um favor de criar uma página com o meu nome e postar trechos das minhas obras e agenda de palestras e lançamentos. Não sei se gostei ou odiei. Nunca tive curiosidade de ver. Mas parte de mim até agradece. Ontem, estava sentado exatamente aqui, cutucando minha máquina de escrever e compartilhando versos bem curtidos nesse copo de uísque. Tocou o celular. Era a editora. Seu Carlos, enviamos o convite do lançamento do seu livro para o seu face. Mas, eu não tenho facebook. Tem sim, senhor, sua página foi criada pela editora. Desliguei. Virei o copo num louco desejo de que o pouco gelo que ainda boiava pudesse apagar essa raiva que não tinha nada de virtual. Peguei a chave do carro. Mandei o mundo tomar no facebook. Sai de casa. E compartilhei a primeira mulher que se enquadrava no perfil da minha carteira. Precisava urgentemente masturbar minha paciência.