Aprendiz

Na lousa vi rabiscos que não conhecia. Tentei captar ali o que não cabia aqui. Sentei-me e continuei a espiar o padrão nas formas daquela garatuja. Me confundi, me encontrei e me perdi novamente. Percebi que meus conceitos estavam embaralhados. Assim como o que me era apresentado.

Pensei no que aprendi em casa e na escola. Me perdi novamente. Me envolvi com o gatuno que, de repente, se tornou um leão, voraz mas perdido ainda em seu intuito. Me levantei para questionar o tutor sobre uma das conclusões, como gatuno, não como leão. Entretanto, quase fui jogado na jaula. Não queria tumulto, só expôr o que penso, mas acho que nesta classe isso não cabe.

Voltei a prestar atenção no que era lecionado. Continuei a tentar entender o tal arquétipo ali passado. Alguns, como eu, estavam incrédulos no que era passado. Muitos, sem assimilar nada e poucos queriam se levantar para apagar a lousa e quebrar o giz.

Devido à falácia e a balbúrdia feita pelos inconsequentes, o tutor chamou o inspetor, cuja labuta era de penalizar os delitos infantis. Vi no seu rosto o semblante da celeuma que era sua vida. Tentei entendê-lo, mas com sua postura repressora, me perguntei se ele esqueceu que já foi aprendiz, que já sentou na mesma carteira que eu.

Alunos baderneiros e passivos foram retirados da classe, pois pela falta de juízo, os disciplinados acabam incluídos na punição. Disseram que estas medidas servem de exemplo, para que nos portemos decentemente.

A aula teve prosseguimento. Até que em um momento o tutor se calou. Olhou para o quadro, depois para nós. Se viu medroso, pelo que senti. Pois sua teoria se desfazia. A verdade por ele impregnada, era dissolvida

e indagada pela grande maioria. O tipo de relação sujeito-objeto que estávamos acostumados a aceitar entre tutor-aluno, era ultrajante.

Ele se viu acuado e, novamente, clamou pela presença do inspetor. Este

adentrou na classe com furor nos olhos. Viu seu poder de ação impotente diante do número de insatisfeitos. Porém, por ser mais forte que os alunos, acabou abusando da severidade e se perdeu com isso.

A aula acabou ali. O tutor se dirigiu para a sala dos mestres, o inspetor voltou para sua mesa. Os alunos foram dispensados forçosamente. Entre estes, ficou a necessidade de se regatear o ocorrido antes da próxima aula.

Ao chegar em casa, cada aluno resolveu comunicar o ocorrido aos responsáveis. Estes, pela experiência conquistada, acalmaram as crias. Explicaram que quem acomete daquele modo, já está ferido e acuado.

Mas atentaram para a necessidade de nunca se calar e de sempre, sempre, se questionar sobre o sistema que estamos inseridos. Não com o objetivo de culpar alguém pela responsabilidade dos nossos erros, ou pela infelicidade do nosso destino, mas de aperfeiçoar nosso modo de viver em sociedade, para, assim, crescermos como verdadeiros humanos.

Leonardo Pitanga
Enviado por Leonardo Pitanga em 12/07/2013
Reeditado em 16/12/2018
Código do texto: T4384182
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