GREVE DE FOME

JOSÉ MANUEL

“Enquanto fala em cortar salários, pensões e aposentadorias como uma medida exemplar, o governo cria uma classe de privilegiados – a começar pelo Molusco – com superaposentadorias sob o pretexto de terem resistido à ditadura, uma prática indecente que não encontra paralelo em países onde as ditaduras foram bem mais cruéis e a luta, bem mais dura.”

José Manuel, o que está passando em sua cabeça para este gesto de sacrifício supremo a que você decidiu submeter a sua vida de “homem idoso” ? À princípio, a idade não é decisiva na vida de cada um de nós; o que é decisivo é a inflexibilidade em ver as realidades que nos rodeiam, muitas delas aterradoras, despropositadas que nos atormentam, e a capacidade para enfrentar essas realidades e corresponder a elas com grande força interior. Haja força interior, meu caro amigo de infortúnio! Fomos atingidos no que há de mais profundo no ser humano: na dignidade! È duro ver o nosso direito ser retirado; é duro ver um governo injusto, corrupto e sem a menor noção de respeito aplicar uma “medida exemplar” cortando salários, pensões e aposentadorias para contemplar com altos salários pessoas alheias ao direito adquirido pelo cidadão brasileiro! Isso é duro José Manuel! Isso maltrata! Isso desespera e lança o cidadão à mais completa depressão!

Desde a juventude, em pleno sonho sonhado, com vigor e graça, a esperança nos contagiava e nos levava a projetar um futuro seguro através do trabalho, da luta, do esforço constante na construção de um provável lar e de uma velhice feliz. A idade, caro José Manuel, está no livro que você leu, no livro que você está lendo agora neste aeroporto de todos nós; nos erros que cometeu e muitos deles você corrigiu e outros ainda os conserva como troféu de suas quimeras; nos amores que você experimentou e um deles o perpetuou até agora; nas oportunidades que perdeu e uma delas você a prendeu com unhas e dentes – a VARIG – a companhia aérea que preencheu a sua vida profissional, em tudo que você enfim viveu...

Você, amigo irmão, na contramão você nunca ficou, sempre procurou acertar o caminho, até moldar o destino você procurou, ou até tentou; prolongar a juventude é desejo de todos, podemos manter até um espírito jovem, mas a velhice se manifesta sob muitos ângulos e, sabiamente, você se decidiu por desfrutar uma velhice sadia. Velhice sadia? Que sadia, que velhice lhe coube a você, me coube a mim ou coube aos aposentados do AERUS ou a todos os aposentados deste imenso Brasil? Esquecemos de uma coisa importante: o mal se afigurou medonho, alinhavado em um homem que clamava aos quatro ventos por justiça social e solução para os males de um Brasil injusto. Este mal se avizinhou de nós, através de mentiras e artimanhas, eis a herança maldita a nós imposta: massacrar o aposentado do INSS e banir da face da terra o AERUS da previdência privada! Não sei até onde vai dar o montante do sofrimento imposto a cada um de nós como também não sei até onde este sofrimento contribuiu para o nosso amadurecimento.

Uma coisa é certa, amigo Manuel, o coração não envelhece no que se refere à rugas, o idoso conserva suas faculdades, o discernimento e a leveza de ser, se aprender a conservar vivos os seus interesses. Você, através deste seu gesto, prova que exercita o seu livre pensar e a sua liberdade para agir, deslocar-se, sair de casa, um decidido caminhar, entrar na casa mãe da aviação brasileira, sentar-se em determinado banco e ficar, e permanecer, para viver ou morrer, colher os olhares atônitos, mostrar-se, abrir o livro de sua vida, fazer história, numa partilha de amor entre os colegas que sofrem, padecentes dos mais diversos sofreres, dos mortos e suicidas, tudo isto porque o mais importante não muda, justamente porque a sua força de convicção não tem idade, José...

E agora José? Meditativo você ficará, olhares lançados sobre seu corpo alquebrado despercebidos passarão, o seu pensamento voará tão alto, mais alto que possa seu pensar, vôos fabulosos, aeronaves possantes, países, povos, usos e costumes, e você por ali pensante, alvo sublime de um ideal divinal...

E agora José, Manuel o “Enviado”? O importante não muda, é tartamuda a astúcia do insensível proceder dos homens do poder, a fome não os maltrata, desbaratada foi a falsa argamassa usada nesta crucial questão mas a sua força e convicção, nobre amigo, não tem idade.

E agora José? A solução encontrada é definitiva ou sem parede nua você ficará? E o frio José? A pele enrugou, o cabelo embranqueceu, os dias se sucedem em anos e o mais importante em seu viver resiste: a determinação. Como I-Juca_Pirama você derrama os olhos seus, com triste voz que os ânimos comove e sua voz exclama: meu canto de morte, guerreiros e guerreiras do meu viver, ouvi: sou filho da Varig, na Varig em idade cresci.

A solução encontrada, ó alma destemida, em última instância, no altar da aviação, o sacrifício supremo: greve de fome... Enquanto estiver vivo, sinta-se vivo; se for difícil a caminhada, segura na mão de Deus e trota, se for difícil trotar, caminha, apóie-se em braços amigos, chore se for hora de chorar; soluce se for hora de soluçar, o importante é você criar momentos, o importante é prosseguir quando muitos esperam que você desista. Insista, persista, é nobre a sua luta, campeão!... Use bengala, rasteje e nunca, nunca se detenha! Aliás, um artista tem a idade que aparenta ter em cena. Na vida real, José Manuel, você aparenta ter a juventude de todos nós!

Que a justiça seja feita o mais breve possível, que os homens do poder se sensibilizem e fiquem do lado dos injustiçados: dos brasileiros que sofrem.

Este é o momento do mais profundo recolhimento: vamos orar por José Manuel e por nós.

clira
Enviado por clira em 02/07/2013
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