ODISSÉIA DE DOIS CÃES

O cão vadio procurava por algum alimento e um pouco de água. Já se passavam algumas horas desde que havia achado um pouco de comida numa lata de lixo. A sede também incomodava. Era difícil achar uma poça d’água naqueles dias de estiagem.

Sempre passava defronte à mansão onde morava aquele rottweiler metido. Vejam só: até o nome da raça do sujeito parecia importante: rottweiler. Acho que se ele fosse gente seria Rockfeller, pensou, se é que cachorro pensa.

Hum! Um saco de lixo com restos de comida. Era bem isto que ele queria encontrar. Opa! Uma lata com um pouco do precioso líquido para matar a sede. Será que não tinha o mosquito da dengue? Ele ouvia os humanos falarem desse tal de aedes aegypti, mas achava que tudo não passava de intriga, pois nunca se preocupara com isso e nunca vira cão algum com esse tipo de doença.

Matou a fome e a sede e resolveu fazer a digestão praticando seu esporte preferido: correr atrás dos pneus dos carros que passavam. Olha só: lá vinha um carro importado. Quando partia para perseguir o pneu sentiu um cheiro no ar. Maravilha! Era o cheiro preferido dele, o odor do cio de uma cadela. É hoje, festejou. Foi seguindo aquele perfume maravilhoso ao mesmo tempo em que ficava excitado já imaginando uma bela aventura com uma cadelinha nova, branquinha, quem sabe uma poodle, dessas que fogem de casa para dar uma voltinha e não encontram o caminho de volta.

Dobrou a esquina e... Oh, não! Já tinha vários cães cortejando a bela prenda. Se quisesse teria que disputar nos dentes, entrar na briga para conquistar a pequena.

Cão de rua sabe brigar, tem experiência, é malandro. Com uns poucos rosnados intimidaria os demais e atingiria seu objetivo sem maiores consequências. Xi! Mas desta vez será mais difícil. Tem um pitbull na parada. Bichos encrenqueiros esses tais de pitbull. Não querem saber de conversa. Sem problema. Espero ele ir embora e aí aquela cachorrinha será só minha.

A estratégia deu certo. O pitbull cumpriu com sua missão e o cão de rua teve sua vez. E querem saber? A cachorrinha foi muito amistosa com ele, pois tinha achado o pitbull muito bruto, ao contrário dele que antes de qualquer coisa, que bonitinho, lhe havia dado umas lambidas no focinho.

Já estava escurecendo e o cachorro começou a se preocupar onde iria dormir. Era mês de julho, inverno rigoroso. Precisava achar um lugar para se proteger do frio.

Caminhando pelas ruas do belo bairro passou novamente defronte à casa do rottweiler metido. Lá estava ele, fazendo pose, olhando-o com desdém. Que inveja... Como ele queria ter a mesma sorte. Casa e comida de graça, uma bela mansão com um grande jardim para cuidar e sem preocupações de achar água, comida e abrigo do frio e da chuva. É! A vida é assim. Alguns são mais aquinhoados pela sorte do que outros, pensou. Se é que cachorro pensa.

Napoleão era o nome do cão metido. Um cão de raça, desses com pedigree, bem cuidado pelos seus donos, com direito a ir ao veterinário a partir de qualquer sintoma de doença. Seu único trabalho era latir para as pessoas que passavam na frente da mansão onde morava. Ração farta, nacos de carne, uma casinha confortável. Não tinha muito que fazer e por isso, dormia por horas e achava a vida um tédio. Andava meio deprimido, triste. Coisa de quem não tem ocupação.

Bocejou preguiçosamente depois de cheirar aquela ração sem gosto. Que beleza se encontrasse um velho osso no quintal. Imaginou perseguir os pássaros no jardim, mas se fizesse isso levaria uma bronca de seus donos. Onde já se viu pisar nas flores tão bem cuidadas. Dormiu novamente e sonhou que era um cão caçador percorrendo trilhas no meio da mata inóspita, tentando apanhar perdizes e embus, sentindo o frio das manhãs de inverno. Acordou melancólico. Que vida triste levava. Percebeu passando pela frente da mansão o velho cão vadio de rua. Como aquele cão é feliz, pensou. Tinha liberdade para viver do jeito que queria, correndo atrás dos pneus dos automóveis, sentindo a plena liberdade, podendo andar pelas ruas, escolhendo sua própria comida. É! A vida é assim. Alguns são mais aquinhoados pela sorte do que outros, pensou. Se é que cachorro pensa.

Esta crônica é dedicada ao meu amigo Jeison Quadros que se fosse um cão seria um cachorro festeiro e animado, uivando serenatas para o luar, destes que fazem da vida um verdadeiro parque de diversões e que sabe ser feliz em todos os momentos da vida.