A CRÔNICA DA AUSÊNCIA

Porque não amamos o suficiente e achamos que teremos tempo o bastante. É disso que fala esta crônica. E o meu problema com o tempo e com o envelhecer... Lembro-me da casa da vovó e dos primos, todos juntos, brincando e enchendo a velha casa amarela de alegria. E vinha gente de São Paulo, de Minas, de outras cidades do estado do Rio. Havia uma garagem grande na casa da vovó. E cada tio deixava o seu carro. Lembro-me de um opala bege. O quintal era a nossa alegria: fazíamos muita bagunça lá. Um dia construímos uma casa de dois andares e deixamos com que os primos menores testassem nossa engenhosa construção. Mal entraram e a casa caiu! Fugimos de uma boa surra. Puxa! A vovó, sempre alegre e com olhos bem grandes, falava e falava. Certa noite, me recordo de que minha mãe e minha avó falaram quase a noite inteira. Conversas e mais conversas que não acabavam mais. Parecia que nunca mais se veriam...

Hoje, minha avó de olhos grandes sofre de Azheimer, da última vez que me viu não se lembrava de mim. Olhava com ternura. Dessa ternura que conhecemos como o amor incondicional que nem tempo e nem memória tiram do peito da gente. Minha avó teve sete filhos. Três homens e quatro mulheres. Crianças que cresceram. Alguns mais amargos que os outros. Os pequenos que nós fomos, crescidos também, alguns amargos, alguns ausentes, alguns levando a vida com a pressa que a vida pós-moderna exige. E as ruas e os cheiros e as luzes da cidade de minha avó ficaram distantes, distantes... tão distantes que dão medo só de pensar. Eu conhecia quase todas as ruas ao andar de bicicleta durante as noites de verão. E agora, todas elas me parecem estranhas. Lembro de uma vez em que olhávamos as fotos na sala da vovó. Minhas irmãs, meus primos, meus tios e eu. Havia até uma foto do meu filho. Sorrisos e o tempo parado. Sorrisos e momentos congelados.

Falo com poucos deles. O trabalho, o meu e o deles, afasta e, muitas vezes, é uma boa desculpa a se dar. A casa da vovó ficou vazia... o quintal sumiu, a garagem diminuiu e o amarelo desbotou. E eu nem sei direito agora qual a cor! Ah! Minha avó de olhos grandes e mãos curvadas. Adorava o café fraquinho que fazia. Das últimas vezes, ainda antes do Azheimer, quando ia para Campos, cuidava de mim e perguntava sempre se estava me alimentando direito (coisas de vó).

Hoje, minha avó de olhos grandes quase não vê os netos. Quase não sai. Quase não ri. Ela não usa mais a cadeira de balanço e nem conta histórias. Presa, coitada, dentro de seu tempo e de suas histórias. E eu não sei em que ponto perdi tudo. Brigas por herança separaram irmãos. Falta de bom senso silenciaram irmãs. Falta de maturidade afastaram primos e primas. E a casa, vazia, é um retrato triste do que era o sonho de fim de ano de todos nós.

Mas parece que estamos todos juntos, embolados na sala, prontos para dormir. Minha avó falava com todos, entrava no quarto e a noite mágica de aventuras vividas e sonhadas era só o começo. Sinto saudade dos tempos em que eu cabia no colo da vovó.

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 04/06/2013
Código do texto: T4324755
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