Sei que nada sei.
 

 

A maioria dos seres humanos, deseja, corre atrás, luta com todas as forças pelo reconhecimento do trabalho que desenvolve.  A maioria das pessoas almeja um mérito, se não material, que seja ao menos moral, pelos longos anos de estudo dedicados a aquisição de conhecimento. A maioria de nós espera que os outros valorizem a nossa experiência  acumulada, fruto das  pesquisas, trabalho árduo, que fizeram  da gente um bom ou um mau  profissional.

Hoje à tarde ouvi algo de um profissional de expressão no meio artístico, que me chamou atenção. Ao ser indagado sobre como se comportava diante do sucesso; dos frequentes elogios e assédios dos jornalistas, sem permitir que estes o afetassem, não hesitou em responder:- Deixo baixar a entidade da minha pessoa, anterior ao sucesso e digo - Esse não sou eu, esse não sou eu... Assim não deixo que o sucesso arranque meus pés do chão, transforme os princípios e valores que trago desde tenra idade como o meu único tesouro.

Esse discurso logo me remeteu a certas posturas de alguns pais de família de minha comunidade escolar. É muito comum presenciarmos crianças assumindo o comando no relacionamento com os pais. É que os pais estão perdendo a noção de sua responsabilidade na educação dos filhos. É mais fácil deixar por conta da escola, ou seja, terceirizar essa tarefa, hoje tão complexa -  o compromisso de se fazer presente na missão de  “educar” para a vida, o(a) herdeiro da família.

É interessante pensar que se construiu até uma ponte de parentesco, entre criança e professor(a). O professor (a) passou a ser chamado de Tio (a). Assim fica mais fácil o profissional da educação assumir, segundo os pais, a responsabilidade que era também dele. Afinal, tio (a) tem que ser condescendente e  fazer tudo para agradar os pais e os seus respectivos filhos. E há alguns critérios para que a missão se concretize pacificamente:

 
  • Não permitir que a criança sofra qualquer tipo de frustração. Dizer sempre sim, jamais o não. Até porque dizem os psicólogos que o cérebro da criança não registra a palavra “não”. E se a “professora disser: - Não faça isso menino!”, acredita-se que a criança será então estimulada a fazer o que foi a princípio impedida.
  • Segundo: Deixar que o tio (a) se vire sozinho para retirar a fralda da criança. Pra que estressar o papai e mamãe com essa tarefa que exige tanta energia, paciência e criatividade. A tia Leila, por exemplo, é que tem que tem tempo pra contar historinhas, enquanto a Maria ou o Joãozinho fica sentado no pinico, só cinco segundos, hoje, amanhã três, depois de amanhã dois até se acostumar com a nova situação, ou seja, de não ter medo de se sentar no vaso e evacuar.
    A tia Leila é que deve perguntar ao Joãozinho de dez em dez minutos se está com vontade de fazer xixi. Enfim a tia Leila, de agora em diante, estará incumbida de ensinar a criança a pedir para ir ao banheiro, quando estiver com vontade.

    O que nenhum pai se lembra, é de que a coitada da tia Leila não tem somente o Joãozinho na sala de aula, mas duas dezenas de crianças na mesma situação.

    Sei que nada sei. “A verdadeira sabedoria – dizia o filósofo – consiste em se saber que nada se sabe”. Essa é uma das máximas mais famosas da História que traz consigo a concepção que identifica o conhecimento filosófico, não como posse e sim como uma busca incessante da verdade.
Conheço bem a tia Leila para afirmar que seus pais criaram doze filhos, e todos eles ouviram durante muito tempo a expressões hoje inapropriadas:
- Isso não pode.
-Não quero que você minta.
- Agora não é hora de brincadeiras, vão estudar.
-Não faça xixi no chão.
-Não empurre seu irmão.
-Não bata na sua irmã.

-Não grite.
O impressionante é que nenhum dos doze filhos guardou algum ressentimento dos pais por conta dessa forma de educar usando o “não”. Todos eles tornaram-se cidadãos de bem, cresceram educados, honestos e justos. Nenhum virou marginal ou se comportou de forma não ética na família, na sociedade, no ambiente de trabalho.

Nenhum deles quando criança ou adolescente agrediu o professor. Nenhum deles fala palavrão, todos praticam uma religião.
Por isso chego a seguinte conclusão: Sei que nada sei, pois não sou dono da verdade e nem tenho receita pronta para dar, mas que tem algo errado na educação que os pais estão oferecendo  aos filhos, ah! Isso está bem claro.

Uma criança que não aprendeu a lidar com pequenas frustrações não pode estar preparada para vencer na vida. Certamente crescerá imaginando que tudo pode e que tudo tem que ser do jeito dela. Se tiver oportunidade de educar a sensibilidade, aprenderá  na escola da vida, a conviver com os “nãos” e acolher os “sins” sem permitir a explosão do ego.

É possível que a criança apresente atraso no controle do esfíncter anal, e do esfíncter urinário,quando ela só tem a professora para educá-la.
Que diga em qualquer lugar palavras de baixo calão, porque  ouve em casa dos próprios pais.
Que mande a tia Leila tomar naquele lugar e ir para a M.
E o que fazer com os inúmeros pacotes de SKNY e os potes de GUARAVITAS, que deixam as crianças hiper agitadas, mas que os pais insistem em colocar nas mochilas,  porque elas só gostam disso.
Tia Leila representa as milhares de professoras-educadoras, que seguram essa onda na qual tantos pais lavaram as mãos, e nunca mais a secaram para não ter que assumir a corresponsabilidade de educar os próprios filhos.
Certamente se eles soubessem que nada sabem começariam a agir rapidamente, pra reverter a pintura deste quadro.
"Pais sem tempo para os filhos. Filhos sem tempo para os pais."