O dever do caminho

Trabalho com crianças. Confesso que muitas vezes isso me cansa e que já ando saturado de minhas atividades. No entanto, sempre existem os mas. Hoje, enquanto fazia uma de minhas absurdas manias em sala de aula, como jogar coisas para o alto, subir nas cadeiras, carregar crianças, inventar histórias sem nexo, eis que um menino virou-se para mim e disse, com um enorme sorriso no rosto: professor, quando eu crescer eu quero ser um professor igual a você.

Na hora eu parei um pouco o que estava fazendo, pintando elefantes de papel, e fiquei olhando para o menino, que já havia virado às costas para brincar com as outras crianças. Pensei, pensei muito em que dizer ao menino, mas não pude falar.

Garoto, quando eu voltar a ser criança, quero ser como você. Sem contas no fim do mês, sem chefes e colegas de trabalho frios e vazios, sem a necessidade de usar sapatos sempre, cinto sempre, carteira sempre, gel sempre...livre sempre. Abrir uma janela e ver além do asfalto morto e calado, do carro veloz, do celular que faz tudo. Ver tudo isso sem interesse algum. Diria que não ficasse como eu, mas como ele é, criança que não sabe que o mundo é pesado, farto de bobagem, escasso de sons.

No entanto, diria para ele que ser criança é bom quando somos criança. Depois, o que aparece são os pelos no rosto, as máscaras no rosto, as mudanças na voz, o corpo crescendo, as vontades crescendo, então não podemos mais ser criança. Mas podemos, e devemos, carregar a sutil inocência, o agudo olhar, a incessante vontade de ser alguma coisa. Mesmo que o corpo não seja tão ágil como antes, que o sorriso não seja tão fácil com antes, que o medo não seja tão forte como antes, devemos ser um pouco adulto e um pouco criança.

No fim, falaria que crescer é como descer de um escorregador sem fim. Pode ser que caiamos no caminho, e iremos, mas pode ser que encontremos, cada vez que levantarmos, as melhores coisas que poderíamos ter. Sem mais explicações.