Boa vida

A primeira coisa que eu fazia: pegar um pedaço do pão rigorosamente dividido em fatias, untar com qualquer coisa parecida com margarina, um copo de chá “Matilião” feito com açúcar na brasa, depois água fervente, retirava-se os carvões e servia-se. O meu café da manhã.

Atravessava a rua e me sentava ao sol, descalço e despreocupado, escola só ao meio dia, lá no grupão Abreu Sodré.

Um pouco de sol e ia cortar capim marmelo para alimento da criação pequena de lebres lá de casa. Ou cortar o cabelo naquele velhinho do outro lado do pasto, que usava uma máquina manual . Corte pobre, mas, estilo “Bodinho” e pouco me importava se ficou bom ou ruim.

Às vezes também andava quilômetros para simplesmente me deliciar nas água de lagoas das fazendas da região, folguedos nas águas tépidas pelo sol da tarde, ao lado do gado que nela matava a sede. Aprendi nadar naturalmente, sem noção do risco de afogamento, inconsciente e inconseqüente, mas protegido para sair incólume da aventura e contar isto aqui.

Talvez a história de muitos de nós. Não nego que acreditava que, engolir “guarús” vivos garantiam a natação segura, como um peixe! O certo que aprendi a nadar e quase aprendi a montar, teria conseguido se não fosse um tombo de um galope e a certeza que não era meu negócio a lida do peão.

Hoje observo crianças confinadas em playgrounds de condomínios, brinquedos eletrônicos, escola a maior parte do dia e o medo da rua transmitido pelos pais ou pelos noticiário da mídia.

Jamais vão correr de investidas de bois nos pastos que invadia, ou atravessar a nado o “Panema”, sem ligar para as famigeradas câimbras, brincar com bois feitos com palitos e batatas, brincar à noite no cemitério, ousadia que assombrava até as assombrações,ou ir às festas de São João e ousar com sucesso atravessar tapetes de brasas...

E eu agora também dentro deste esquema, vivendo pelo trabalho e sobrevivendo na guerra da nossa cidade.

Saudades que alivio bebendo do cálice de minhas memórias, no silêncio de minhas noites, quando volto lá nos açudes, mergulho minha cabeça nas águas benditas, depois respiro profundamente e no meu travesseiro abro um sorriso inconciente, sonhando acordado, tomo dos frutos das árvores dos pomares, me delicio com a vida simples e despreocupada, vejo-me à noite na minha cama , sob os cuidados de meus pais, mas, acordo de manhã e a realidade do meu dia-a-dia me chama a contribuir com o crescimento da maior cidade da América Latina, São Paulo de Piratininga...

Paulo de Tarso
Enviado por Paulo de Tarso em 23/03/2007
Reeditado em 26/08/2009
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