PEQUENAS MAS DOLORIDAS

As salas eram enormes com piso em tábua corrida. Janelões abriam suas paredes, dando-lhes toda claridade e o cenário vivo das frondosas árvores da praça. Assim era o grupo escolar onde estudei, local de tantas boas lembranças, porém algumas me ficaram gravadas com um tom meio acre.

Como as ocasiões em que se dava a formação da bandinha escolar. Todos os anos eu era convocada para tocar... “coquinho”. Tínhamos ainda que confeccionar este “maravilhoso” instrumento, serrar o coco ao meio, sapecar no fogo para retirar a polpa e todos aqueles fiapos da casca, lixar tudo e enfim ficava pronto.

Sabem qual é o som que produz um coquinho? É assim ó... cloc, um desvanecido cloc, cloc! Dava-me comichão para fazer um repique no tarol, tocar o possante bumbo ou aqueles pratos enormes que deixavam o som metálico ecoando por um bom tempo. Não, eu só fazia... cloc, cloc!

Fiquei tão frustrada que quando meu filho ia se apresentar na banda, tomava-lhe o tambor e tocava um pouquinho, o garoto e a professora se esperneavam para que o devolvesse. Eu explicava que estava só afinando para o som ficar bom, que dificuldade tem para entender isso?

Outra lembrança sofrida é a festa do bolo. Meus coleguinhas vestidos de farinha, açúcar, fermento, etc., e eu... de chocolate. Vocês podem imaginar o que é para uma menina tímida ser colocada numa extrema evidência, sendo a única marrom cetim, no meio de tanta brancura? Tinha ainda que saltitar enquanto girava a colher de pau dentro de uma bacia... e cantar aquela musiquinha... “Bate, bate o chocolate, bate até ficar cremoso e depois de bem batido, fica o bolo bem gostoso”...

Esta coisa ficou encalavrada em minha cabeça para todo o sempre! Acho que se chegar a ficar totalmente esclerosada, não souber mais nem o meu nome e alguém me perguntar se está tudo bem, eu vou responder: Bate, bate o chocolate...

Até hoje tenho inveja da farinha!

Entre outras esta última, considero lastimável. Numa época em que ter acesso a livros era uma raridade, a biblioteca da escola ficava trancada. Em quatro anos escutei uma única vez a frase: “hoje vamos à biblioteca”! Foi o dia que eu tanto esperava!

A porta dourada se abriu, prateleiras baixinhas cheias de livros de histórias infantis, mesinhas com cadeiras coloridas, tapetes bordados no chão. Onde poderia haver uma explicação mínima plausível para aquele pedaço de céu ficar trancado?

Encantada não conseguia decidir por um livro entre tantos maravilhosos. Escolhi o que achei mais bonito, comecei a ler aquele espetacular conto de sonhos. Quando estava para terminar , a ordem para ir embora foi dada, o tempo havia-se acabado. Simplesmente desesperei, queria acabar a emocionante leitura. Ficou uma história sem final, nunca mais voltamos ali.

E de tantas coisas que me recordo com exatidão, isso não sei, qual era a história, o seu nome, qualquer coisa. Ficou tudo apagado, um vazio que me nega até hoje ter aquela satisfação que ficou seccionada.

As bibliotecas escolares são um bem precioso, não adianta apenas existirem, é necessário garantir que os alunos possam estar lá!