O homem e o espelho

Passava eu de manhã cedo, contornando a Praça, a procura de uma vaga para estacionar o carro, quando uma cena me fez parar. Naquela Rua e Praça desertas por ali, alguns instantes, me deixei ficar. A imagem que tinha a minha frente, já se fazia comum pelos logradouros da nossa cidade. Moradores de Rua, pela manhã, cedinho,fácil é encontra-los vasculhando depositos de lixo, a cata de algum alimento.

O homem de pé, junto ao tonel, usa as mãos para catar o lixo e, ao envés de alguma fatia de alimento, exibia um pedaço de espelho, em suas maltratadas e esqueleticas mãos que, a minha curiosidade aguça. Quieta, continuo onde estou. E, a espera fiquei, para assistir o desenvolver da cena até então, para mim, inusitada.

Nas mãos, segura o espelho, levando-o, a altura do rosto, já encovado, barba crescida, mesclada de pelos brancos, se confundiam com os cabelos despenteados e grisalhos que lhe ornavam a cabeça. Pela minha ótica, no ponto estratégico de onde estava, eu o via altamente interessado na propria imagem, no espelho refletida.

Permaneceu assim, por alguns longos dois ou tres minutos, o que me encoraja, para educadamente, dele me aproximar, como se fora eu, apenas, mais uma passante, por aquele agradável lugar.

Com um bom dia, que a entonação da voz, dizia ser a expressão de um BOM DIAAAA de verdade, saído de dentro desse molenga coração feminino, bem perto dele, parei. Em seguida, quase que imediatamente, arrisquei: Que tal, se olhando, assim, agora cedo neste espelho... que tal...

A expressão do seu rosto, o olhar tranquilo, sereno, me atreveria, dizer que, seu olhar sorria, talvez, até para lhe poupar o constrangimento de deixar a mostra, a boca desdentada.

- Dona, faz tempo, que não me vejo. Nem sei mais como sou agora. Mas, não me espantei, pois sei que viver assim ao léu, ao Deus dará... esta imagem, sou eu...

A voz, a lhe morrer na garganta, cala-se! E com a manga da camisa, suja, rasgada e desbota, encosta o rosto no ombro esquerdo, como que, a enxugar a lagrima que lhe desse a face, com pena, dó e piedade de si mesmo. E com um gesto, mira-se de novo. E o silencio que se segue, não serei eu quem ouso quebra, mas, fico ali, como que, a esperar, nem que seja, um suspiro...

E eu, parece, que nada tenho a fazer, nem mesmo sei como devo me comportar... Com delicadeza, passo a mão por seus arqueados ombros e, dou um passo a frente... continuando o dialogo. E na cena seguinte, lhe empresto solidariedade e atenção, um pouco de calor humano, demonstrando meu interesse, preocupação e vontade de amparar, acolher, ou pelo menos, quem sabe, ficar ali mais um pouco, ganhar sua confiança, ouvir, em confidência, a sua estória.

Depois, de uns vente trinta minutos, ali juntos, ele e eu, alguns dos meus conhecidos passaram. Muitos, dos quais, com um olhar desconfiado, surpreso ou até de censura, mas, joguei tudo para alto.

Agora, estamos aqui parados no "Albergue do Lar da Providencia" que fica aqui, bem em frente ao "Instituto dos Cegos "Adalgisa Carneiro da Cunha" alí, no corredor, bem perto da Capela, o entreguei a Irmã Salustiana, da "Ordem das Irmães de Caridade de Santa Catarina de Sena" que, mantinha, aquela Instituição.Duas semanas, passadas, voltei ao "Albergue o Lar da Lar da Proviencia" e João Marques de Melo, era um novo homem:Cabelo cortado, barba feita, sandálias, calça e camisa limpas. Para minha surpresa e alegria, ajudando a servir o café da manhã, onde dez a quinzes homens, todos, quase de meia idade, sentados, eram por ele, servidos, como se fora um garçon.

Hoje, neste dia doze, depois, de acompanhar de perto, por mais de dez anos, o trabalho filantropico do "Albergue Lar da Providencia" e o HOMEM DO ESPELHO, João Marques de Melo, é um quase cinquentão Tecnico de Enfermagem que, trata, sob orientação Médica dos que precisam dos cuidados rudimentares da Medicina.

Eu, nunca mais, encontrei um outro ou outra, a se olhar em um espelho, encontrado em deposito de lixo das nossas ruas... que pena, pois, seria no minimo, o que o outrora morador de rua. é agora diante e mim tenho: um saído das ruas, um resusssitado, o sempre, por mim conhecido, o "Homem do Espelho"

Josenete Dantas
Enviado por Josenete Dantas em 12/03/2013
Reeditado em 19/04/2015
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