O homem que nunca sonhava.

Era um cara como outro qualquer.

Casado, filhos, trabalho, tudo normal.

A sua única diferença era quando dormia.

Enquanto as pessoas, por vezes, se permitiam sonhar, driblando o tempo e as leis para poderem vivenciar o que bem lhes aprouvesse, ele nunca teve um sonho sequer.

Vasculhava suas memórias à cata de uma única vez em que tivesse se permitido sonhar, e nada.

Nenhum rastro, vestígio ou pegada desse deleite noturno, no qual vislumbramos os cenários que a nossa matreira mente se dispuser a esculpir.

Isso o incomodava demais.

Já havia feito todas tentativas para estimular seus sonhos fugidos, com resultado zero.

Beber, drogar, fazer sexo, meditar, malhar, nadar, caminhar, comer coisas leves, coisas pesadas, não comer, tomar banho, ficar dias sem banho, enfim, foram anos e anos tentando criar condições para que sonhos viessem atracar-se ao seu sono, como visitantes bizarros ou seja lá o que forem.

Foi buscar conselhos de médicos, psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e até se enveredou pelas garras de diversos medicamentos, tranquilizantes e o que lhe dessem, com resultado pífio.

Tentou tatear as ciências naturebas e vasculhou tudo o que podia na yoga, meditação transcendental, reiki, cristais, Florais de Bach, até desistir, triste como ele só.

Indicaram as religiões afro.

Umbanda, Quimbanda e Candomblé estimularam visitar os mais diversos terreiros e, apesar da boa vontade dos guias, pretos-velhos, orixás, pombas-giras e exús, continua com tela preta durante todo seu sono.

Peregrinou-se por todas religiões que podia, judaica, católica, budista, evangélica, mormom, metodista, espírita, etc.etc. e ouviu dos pastores, rabinos, mestres, bispos e demais líderes as mais diversas alternativas - nem preciso dizer o resultado.

Continuava tendo noites com as cortinas do seu espetáculo abaixadas, sem quaisquer indícios de que seu show iria começar.

Foi então, já na beirada de desistir de vez dessa dura empreitada, que lhe bateu uma ideia.

Já que tratava-se de uma guerra, quando seu oponente tinha vencido todas batalhas até então, precisava usar trunfo que o pegaria de surpresa.

Algo que ele não pudesse rebater, que o deixasse lieralmente de quatro, sem fôlego, sem ação.

Era isso.

Eureka!

Resolveu nunca mais dormir.

Isso mesmo.

Se o problema era sonhar enquanto dormia, se parasse de dormir não teria mais motivos pra sonhar.

E foi isso que fez.

Decidiu nunca mais dormir, por mais embriagante, ardilosa e sedutora fosse a sua vontade de pegar no sono.

Pronto, encontrou a sua tábua de salvação.

Sem dormir não teria motivos para sonhar.

E assim venceu sua derradeira batalha.

E pode dormir, ops, viver em paz.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 24/02/2013
Reeditado em 24/02/2013
Código do texto: T4156704
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