Bruna

Olho para a sua foto na estante de nossa mesa de trabalho e comprovo que o tempo realmente existe. Existe e é cruel, com uma cruel disciplina. Ele não erra, não se equivoca em sua tarefa. Ele não se atrasa, não chega cedo, ao contrário, ele sempre está na hora certa. Se o tempo fosse um militar seria aquilo que chamamos de “caxias". Sim, seria um austero “caxias”. Talvez por isso que quando penso no tempo, lembro de meu pai.

Onde está a sua mãozinha? Onde está aquele choro de fome ou de dengo? Lembro de você me chamando: “Papai, papai...” Eu fingia que não ouvia para poder ainda me deliciar com aquele chamado terno e sem mácula, sem pecado, de um ser que ainda não abandonara o Éden, mas, ao contrário, ainda achava relevante a presença divina.

Queria ter uma máquina do tempo e voltar a esses momentos deliciosos. De quando você ainda não sabia tomar banho sozinha. De quando você ainda não sabia comer sozinha. De quando você precisava de mim nas coisas mais básicas da existência. Ah, como não queria a tua independência! Contraditório, permita-me? Eu que te crio para a independência, agora vejo esse dia se aproximando, qual um foguete, peço a Deus como o Rei Uzias. Não um tempo a mais em minha vida, mas o tempo que se foi de nossas vidas. Mas parece que o tempo e Deus são as mesmas pessoas. Ou na menor das hipóteses, Deus é tão disciplinado quanto o tempo.

Agora já te pego no colo com uma certa dificuldade. Vejo-a dizendo que tal garoto é bonito. Ah, saudade daquele tempo que o único garoto de sua vida era eu! Saudade daquele tempo que você achava todos os garotos feios e chatos! Mas o tempo muda as pessoas. Ele nos manipula para que possamos continuar a História. Às favas a História, quero a nossa história! A minha história, a história de meus amores. Ah, se eu tivesse o dom da eloqüência para convencer Deus de voltar ao tempo de minhas delícias! Só fica essa lembrança insistente e estas letras chorosas de um Jeremias do século 21.

Escuto agora o girar da chave na porta de entrada. “Será que é ela?” Sim, é ela. Consigo capturar em seus olhos esse tempo que passou, mas não perdido. Vivo eternamente em nossos olhos, em nossos corações, em nossas vidas. Ainda que Deus e o tempo não se apiedem de nós, ludibrio o Criador com a sua própria dádiva, recorro à lembrança, pois esta Deus retirou da disciplina do tempo e ela voa livremente pelos séculos. E nas asas da lembrança viajo gostosamente pela nossa história.

16.03.07

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 16/03/2007
Código do texto: T414988
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