ESAN - SBC - Turma de 1977

Nas grandes cidades nossas casas e apartamentos são cada vez menores, os espaços são supervalorizados, qualquer cantinho dentro do lugar que habitamos não pode ser desperdiçado, por isso é fundamental que vez ou outra façamos uma faxina. Não é uma tarefa fácil nos livrarmos de revistas, recortes e outras quinquilharias. As coisas ficam nos armários anos, décadas às vezes, nada daquilo nos faz falta até o momento que temos que nos livrar delas, sabemos que quase tudo aquilo deve ser mandado direto para o lixo, mas nos falta coragem. Hoje é feriado, tirei o dia para arranjar espaço em um dos armários, mas não está sendo uma tarefa fácil. Dentre dezenas de coisas de utilidade duvidosa encontrei meu convite de formatura da faculdade; ESAN turma de 1977 – SBC; voltei no tempo.

Entrei na faculdade em 72, a ESAN ficava, e ainda fica, no campus da FEI em São Bernardo do Campo. Era um lugar ermo, as linhas de ônibus de São Paulo para lá eram poucas, uma das alternativas era o ônibus da própria faculdade que às vezes parava e em outras, passava direto. Se tivesse sorte de pegar o ônibus, tinha que aguentar os castigos impostos pelos veteranos. Mesmo que houvesse lugar vago, os calouros tinham que viajar em pé, além de outros castigos, mas nada estúpido como os trotes de hoje, nada de violência. As aulas eram ministradas em anfiteatros, durante o inverno em meio ao matagal que cercava a faculdade o frio era de lascar e quase ninguém resistia deixar de lado a dose de conhaque que comprávamos num botequim que ficava ao lado do estacionamento. Em 73 e 74 a grana tava curta e acabei trancando a matrícula, voltei em 75 no segundo ano, as coisas tinham melhorado um pouco e eu comprei um fusca, era mais fácil ir e voltar da faculdade, mas estacionar por lá nos tempos de chuva era um martírio, barro por todo lado.

Conheci novas pessoas e passei a levar a faculdade mais a sério, tirava boas notas, e fechava sem ter que ir para exame. Dentre os colegas lembro bem da Eunice que pegava carona comigo todo dia e que em contrapartida fornecia Xerox de seus cadernos e fazia os trabalhos de matérias decorebas. Ao meu cargo ficavam os assuntos de contabilidade, afinal era o contador da empresa onde trabalhava. Lembro-me do Claudio Conejero, encontrei com ele há uns dois anos, do Ademir Gatti – a quem chamávamos de Anormal – um cara muito espirituoso, engraçado, alguns anos mais tarde o Ademir se tornou um grande executivo de uma montadora, eu estive com ele, mas ele não me reconheceu. Lembro também do Boanerges, da Cleusa, do Natanael e do Carlos Roberto Amorim que na época era executivo de uma empresa da Basf – Sintésia se não me engano. Eu me espelhava no Amorim e acabei me tornando amigo dele. No terceiro e quarto ano tínhamos um pequeno grupo que na verdade era a elite da classe. O Boanerges – que também foi nosso orador - se tornou o presidente do centro acadêmico com o nosso apoio e montamos a comissão de formatura. Eu me tornei (ou fui eleito) tesoureiro da comissão de formatura. Nos empenhamos em angariar fundos para uma espetacular festa de formatura, naquele tempo o auditório do Anhembi era “chic”. Em meados de 77 nós ousamos, fomos numa concessionária Fiat e compramos um 147 para rifar. A responsabilidade era grande, mas com empenho e ajuda de todos, os números foram vendidos rapidamente e arrecadamos um bom dinheiro. Em setembro ou outubro de 77 já tínhamos verba suficiente para bancar o Anhembi e um bom buffet para a festa de formatura. Para reservar o Anhembi necessitávamos de uma carta da faculdade requerendo a reserva. Fomos falar com o diretor, na época era o Dr. Krause. Fomos bem atendidos, porém ele deixou claro que suas intenções eram para que a colocação de grau fosse realizada no Teatro Cacilda Becker, que ficava no passo municipal. O teatro, apesar de bem construído sem sombra de dúvida não podia comportar os quase cem formandos, a comitiva de professores, e os parentes e convidados dos formandos. Colocamos essa questão ao diretor, mas ele parecia irredutível. Juntamos novos argumentos e numa noite ele gentilmente nos recebeu em as casa. Saímos de lá certos de que o havíamos convencido. Ele prometeu que a carta estaria na secretaria à nossa disposição. Dia após dia íamos à secretaria perguntar pela carta, mas ela não chegava, nunca chegou. Irritados emitimos uma carta e a publicamos no jornal mural da faculdade. Eu assinei a carta junto com o presidente da comissão. O texto era forte, cobrava a promessa do diretor em nos liberar o documento que permitiria reservar o Anhembi.

O resultado não demorou a chegar, a diretoria retirou a carta do mural e a minha situação e a do presidente da comissão começou a se complicar. Na época estava em vigor o malfadado e truculento decreto 477, uma verdadeira aberração, esse decreto punia alunos, professores e funcionários de instituições de ensino ao bel prazer. Aquela carta que eu assinei era considerada subversiva, e passei ficar sujeito as sanções da lei, no meu caso uma possível expulsão da faculdade dois meses antes do encerramento do ano letivo, uma perspectiva sinistra, a truculência dominava.

O professor Wagner Lucato veio falar comigo e com o presidente, ele pertencia à congregação ou ao conselho de professores, não sei ao certo. Ele deixou claro que nós estávamos na iminência de uma suspensão, eu não tinha problemas com notas, já havia fechado em tudo, mas repetiria por falta. Ele nos aconselhou a pedir demissão e deixar a comissão de formatura na mão de outros alunos. Não tivemos saída. Deixamos a comissão de formatura e nos calamos nos dois meses restantes.

Foi uma das primeiras lições de política, o diretor queria prestigiar o novo prefeito fazendo com que a festa ocorresse no teatro que ficava no passo municipal, o prefeito era irmão de um dos professores. Nossa ideia inicial era convidar o Sr. Wolfgang Sauer – presidente da Volkswagen - para ser nosso paraninfo, mas a nova comissão acabou convidando o Professor Wagner Cesar Lucato, uma escolha acertada, porém para patrono chamaram o prefeito, como queria a direção da faculdade. O teatro realmente não comportava os alunos e seus convidados, mas o diretor não cedeu, para resolver o impasse a comissão teve uma ideia criativa que, um ano depois, foi copiada pelo Lula e o sindicato dos metalúrgicos em sua famosa e memorável assembleia de 1979, a colação de grau seria na igreja matriz de São Bernardo do Campo.

A colação ocorreu na noite de 14 de abril de 1978, lá estávamos nós alunos, professores, parentes e convidados na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, foi uma cerimônia simples, mas cumpriu com suas finalidades, houve muita distribuição de placas, inclusive para os integrantes da nova comissão de formatura, foi minha segunda lição de política, “o importante é fazer conchavos e atingir os objetivos e se possível sair como herói” Ninguém veio, ao menos, me cumprimentar e lembrar do esforço que quase me custou a inclusão no 477.

Eu compareci à festa no Buffet Padoveze, foi a última vez que encontrei os meus colegas, recusei o convite para participar da formação da associação dos ex-alunos, voltei à faculdade quase 30 anos depois quando minha filha estava cursando ciências da computação na mesma sala em que estudei no quarto ano de faculdade. Hoje posso entender que meus colegas estavam certos em negociar, afinal tinham que ceder em alguma coisa para atingir o objetivo, eu era impetuoso demais, como todo jovem, e não conseguia compreender. O Tal Tito que foi o patrono, segundo dizem, foi um péssimo prefeito.

Era o que eu tinha para contar, vou manter o convite guardado até a próxima faxina, espero que alguém dessa época se lembre disso.

Laerte Russini
Enviado por Laerte Russini em 26/01/2013
Reeditado em 28/01/2013
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