E Agora?

Há dias, Bastião anda jururu, quase não conversa, nem sai para espairecer um pouco. Mora com suas três irmãs: Josefa, Isolda e Clotilde. São idosos, solteiros e principalmente muito unidos. Josefa trabalha na ornamentação da Igreja; Isolda presta serviço em casas de família; Clotilde cuida dos afazeres de casa. Pessoas simples cuja dignidade faz com que mereçam respeito, amizade e ajuda das pessoas.

Deitado em uma rede de tucum armada no alpendre, Bastião passa várias horas do dia a cuidar das aves que beliscam restos de comida e capins secos, no terreiro de sua casa. O inverno não tem sido muito bom, trazendo conseqüências desagradáveis no setor financeiro, atingindo, de forma impiedosa, as pessoas de baixa renda. A carência pela escassez de chuvas é uma constante na casa dos quatro irmãos, pois não têm a aposentadoria dos idosos nem qualquer outro tipo de ajuda por parte do governo, que lhes garanta uma vida tranquila.

O termômetro da necessidade desce a zero. Bastião sai ainda cedo, para vender uns capotes na feira. São os últimos. Precisa investir no sustento da casa por alguns dias; os capotes, ele os cria somente para vender. Já tarde, consegue o dinheiro pela venda das aves. Então, resolve passar numa mercearia, a fim de comprar alguns mantimentos, inclusive o milho para os seus bichos de criação. Acontece que ali também vendem pinga. Como lhe sobra algum dinheiro, sente vontade de beber um trago. Não é viciado, graças a Deus. Mas... Por que não? É ali que dispersa, um pouco, suas mágoas. A princípio, hesita, mas o desejo de fuga fala mais alto e, decidido, pede um trago que sorve de um gole. Depois, mais um pouco, e outro... “Bebu, sim! Bebu pruque posso! Sou trabaiador... O dinheiro é suado, onesto e é meu!... Nem tenho fio pra sustentá.”.

Após afogar as mágoas, já no final da tarde, volta para casa. Passadas as reclamações das irmãs que o esperavam, impacientes, Bastião vai pôr um pouco de milho para as aves, quando de repente, sente falta do galo. O seu galo de estimação! É o único responsável pela reprodução da espécie, no seu quintal. Procura em todos os recantos possíveis e, não o encontrando, pergunta um tanto aborrecido:

_ Ô Clotilde, adonde tá meu galo?

_ Ora! Eu num sei de galo de ninguém. Pergunta pra Isolda. Ela tarra no quintal.

O pobre homem procura Isolda que está lavando a louça da vizinha e pergunta, aflito:

_ Adonde tá meu galo? Cê sabe!...

_ Num sei. Quem sabe é a Jusefa. Ela foi pra Igreja.

Bastião espera que Josefa volte e vai logo perguntando:

_ Cadê meu galo? Eu quero meu galo! Diga logo onde butou meu galo!

Josefa entra, bebe um pouco d’água para se tranquilizar, senta-se e fala com calma:

_ Meu irmão, hoje, até esta hora, não fizemos uma refeição sequer. Não temos nada em casa. Então, resolvi matar o galo e levei pra comadre Ester cozinhar. Mais tarde, nós vamos ter um jantar.

A noite chega envolvendo com seu manto de estrelas, a pequena cidade de interior, hora em que as famílias se reúnem em seus lares para a última refeição do dia.

Os quatro irmãos saem rumo à casa da comadre Ester. Bastião não se contém e as lágrimas descem-lhe dos olhos como se vertessem dos mananciais do coração. O pobre homem ainda lamenta a perda de sua ave de estimação. Seu galo está morto. Nisso não pode acreditar:...

_ Mataro meu galo! E agora?

_ Calessa boca, Bastião! Tu vai já jantar o galo. Tu tá, é cum fome... _ Diz Isolda..

_ E bebu, também... _ Fala Clotilde, pondo a mão no nariz para não sentir o bafo de cachaça.

_ Mataro meu galo!... E agora? Qui é qui eu vou fazer?

_ Fica quieto, Bastião! Agora não tem mais jeito. Tá morto! _ Retruca Josefa, tentando acalmá-lo.

_Tu num tá vendo, homi, qui nós tamo num quente e dois fervendo? _ Continua Isolda o que Josefa dissera.

O jantar está pronto, quando chegam. Ester põe a mesa e tudo corre tranquilo. Bastião, no entanto, não come. Recolhe os ossos que sobram, leva para casa e enterra no quintal, embaixo de uma roseira. O rei do galinheiro merece a gratidão do seu dono pelos serviços prestados a si e às suas irmãs.

Sabendo do ocorrido, um amigo dá-lhe um galo, de presente. Bastião trata-o com carinho, embora não substitua o amor que sentia pelo outro que já criava há alguns anos.

Ali, naquela rede de tucum, vendo os poucos bichos no terreiro, pensa na situação financeira que continua ruím. Já vendera os capotes. As galinhas são para pôr ovos e fazer pintinhos. O galo, o novo reprodutor. E agora?

***

Maria de Jesus Fortaleza, 17/01/2013

Maria de Jesus
Enviado por Maria de Jesus em 17/01/2013
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