TARECO, O GATO

Tareco fora encontrado ainda muito pequeno no caminho que Dita fazia todos os dias para levar a marmita do pai que trabalhava em uma obra, logo depois do rancho de canoa de uns pescadores. Miava fininho e estridente, parecendo chamar a futura dona pelo coração. E foi exatamente isso que aconteceu. Aquele miado pedindo ajuda mexeu com os nobres sentimentos da menina de cabelos negros, cacheados e de olhos verdes.

Dita foi atrás do som que tirou sua atenção e encontrou o dono dele entre o mato e a cerca de madeira. Era um gato malhado, sem raça definida, magrinho e com olhos de quem precisava de carinho, água e muita comida. Não deu outra! Dita pegou o bichano nas mãos, acariciou o pelo sujo e falou com ele com a voz meiga de criança:

- O que foi, meu gatinho? Tá perdido por aqui? Cadê seu dono? Quer ajuda?

Pegou o gato, ainda olhando para os lados para ver se via alguém que poderia ser o dono. Não viu ninguém. O gato agora miava mais alto devido o cheiro de comida que saía da marmita embrulhada em um pano de louça alvo.

Dita sabia que seu pai não queria mais bichos em casa, mas o coração ficou apertado ao ter que deixar o gato naquele lugar, sem comida e água. Abriu a marmita, retirou dela uma das sardinhas fritas e a colocou no chão. Amarrou novamente o pano que segurava a tampa e o calor da comida enquanto o bicho se comia vorazmente, demonstrando uma fome de todos os tempos. Dita levantou-se e saiu correndo, atrasada para levar o almoço do pai carpinteiro que esperava por ela.

Durante a volta para casa, Dita veio cuidando para encontrar novamente o gatinho perdido. Ao se aproximar da cerca em que o vira pela primeira vez, percebeu o gato ainda ali. O bichano logo a reconheceu e começou a miar. Dita apurou o passo para não ser seguida. Isso de nada adiantou. O gato vinha atrás dela como quem sabia que seria adotado. Vez ou outra, Dita olhava para trás para ver se o gato a seguia realmente e fingia que aquilo não era com ela. Não queria assumir a culpa de ter trazido o gato para casa.

Quando chegou a casa, disfarçou para que a madrasta não visse que o gatinho estava no quintal. E por alguns dias foi assim. Escondia alguns restos de comida e dava ao bichano quando o pessoal de casa não estava por perto. Por alguns dias esta foi a rotina da menina até que a madrasta a viu, alimentando o gato.

- Diiiita! Que tá fazendo com esse gato aí?

- Nada, mãe. Ele só apareceu aqui. Tô dando comidinha.

- Teu pai não quer bicho aqui em casa! Vem pra dentro, já. Deixa esse bicho aí.

Dita sempre obedecia para não ter que levar uma surra do pai que não tolerava criança travessa e desobediente.

Os dias foram passando e o gato já tinha até um nome: Tareco. No começo somente circulava pelo quintal e dormia debaixo da escada da cozinha. Era quase invisível aos olhos dos adultos e só recebia os carinhos de quem o adotara, a menina Dita.

Tareco foi crescendo e nunca se atreveu a pegar um peixe sequer sem a permissão de sua dona. Ficava por perto, vendo-a limpar a pesca do dia, sem se aproximar. Ganhava os restos de peixes para se fartar. Era um gato de rua, mas tinha lá sua majestade. Os laços de amizade entre Dita e Tareco foram se fortalecendo à medida que o tempo passava. Um entendia o outro. Dita dizia:

- Cuida dos peixes pra mim, Tareco, que eu já volto.

E o gato ficava por perto, sem se atrever a pular na mesa para pegar qualquer coisa para si. Esperava Dita voltar para a cozinha e miava, pedindo a recompensa pelo serviço prestado. E ele recebia seu quinhão antes de ir para seu cantinho preferido.

Um dia apareceu outro gato na casa, também trazido da rua pelos sentimentos de piedade da menina Dita. Recebera o nome de Joni. Como Tareco e o mais novo morador tinham a mesma história, pareciam ser amigos de muito tempo. Ficavam sempre juntos e perto da menina Dita enquanto ela fazia os serviços da casa.

Um dia, o caminhão da luz passou pela rua e atropelou o gato Joni. Foi muito triste aquele momento, tanto para Dita quanto para Tareco.

Alguns dias após a morte de Joni, Tareco desapareceu. Ninguém mais sabia do paradeiro do bichano que, provavelmente, saiu atrás do velho companheiro ou morrera de tristeza.

Estes foram os bichinhos de estimação de Dita que hoje, aos oitenta e um anos, ainda se lembra da presença dos parceiros enquanto trabalhava na cozinha, em torno do fogão à lenha e em volta da pia, entre os peixes e o quintal.

Luciane Mari Deschamps

Luciane Mari Deschamps
Enviado por Luciane Mari Deschamps em 21/12/2012
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T4047561
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.