Salvador,
               uma cidade arrasada

  Não queria me despedir de 2012 sem fazer dois pedidos ao Senhor do Bonfim, o santo querido dos baianos..
  O primeiro, que Ele me perdoe por lhe não ter procurado este ano, quebrando o compromisso de, anualmente, pelo menos uma vez, subir a Colina Sagrada.
  Essa promessa eu tenho honrado desde que cheguei na encantadora e mística capital baiana, no início de 1957.
  Brincando, brincando, e lá se vão cinquenta e cinco anos de Bahia. Que felicidade!
  O motivo da quebra do compromisso: o trânsito tumultuado, desordenado , maldito de Salvador.
  Moro na cidade alta. A igreja do Bonfim fica na cidade baixa. Para chegar à Basílica, tenho que atravessar boa parte da capital, enfrentando um tráfego miserável, irritante.
  Dirão que esta é uma desculpa amarela, pois, de acordo com os soteropolitanos (arre!), ao Bonfim, "quem tem fé, vai a pé".
  Mas o peso dos anos já me não permite encarar caminhada tão longa e exaustiva.
  Em 2013, voltarei a visitar o santo da Colina com a  cidade de Salvador sob nova direção.
  Garantem os que estão chegando que, a partir de primeiro de janeiro, a "mobilidade urbana" (ufa!) vai melhorar consideravelmente. Será?
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  Uma crônica que Olavo Bilac escreveu no dia 21 de agosto de 1900 ajudou-me a fazer o meu segundo pedido ao padroeiro, de tantos e tão belos milagres.
  Bilac começa comparando o Rio de Janeiro do seu tempo, uma cidade de "apertadas ruas, mal calçadas e mal varridas", com Buenos Aires, segundo ele, já naquela época, "uma das mais lindas, das mais limpas, das mais fidalgas cidades do mundo..."
  Mostrando o estado lastimável em que se encontrava o Rio de 1900, o poeta faz este corajoso apelo ou advertência: ..."nos corre o dever, iniludível e inadiável dever, de arejar Sebastianópolis, de a lavar, de lhe arrasar sem piedade os aleijões, de lhe tirar a velha casca de cidade colonial, dando-lhe o vestuário de que ela é digna."
  E brada o vate amigo das estrelas: "Santo Deus! Ninguém quer palácios, nem avenidas de luxo, nem parques de raro esplendor! Mas custa muito dar à cidade amada, em que floresceis, um pouco de limpeza e um pouco de elegância?"

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   Saia o turista do Centro Histórico (muito maltratado), invada o coração da cidade, e encontrará uma Salvador devastada.
  Não fosse o belíssimo cenário no qual seus fundadores a entronizaram, e a capital baiana, hoje e agora, estaria entre as cidades mais esculhambadas do Brasil.
  Fácil constatar, por exemplo, que as principais avenidas e ruas de Salvador são agora um comércio a céu aberto. Vende-se de tudo; secos e molhados. Sem se falar no Elevador Lacerda, um cartão-postal, que vive sempre quebrando ou sempre quebrado. A orla é um chiqueiro.
 Salvador não merece isso, estou cansado de dizer.

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 E seus governantes? Ah, estão preocupados em dar aos salvadorenses uma arena de luxo, caríssima, esquecidos (?) de que, ao lado do monumental estádio, estão postos de saúde atravessando momentos difíceis.
  Ah, estão preocupados com o carnaval de 2013; e ainda prometendo - pasmem! - que, no ano da copa, 2014, Salvador terá dois carnavais; como se não bastasse um para deixar a cidade acabada pela ação nefasta  e desrespeitosa de foliões que não estão nem aí.
  Meu segundo pedido ao Senhor do Bonfim  é simplesmente este: que Ele ajude os novos governantes a dar a Salvador, já em 2013, "o vestuário de que ela é digna". Tirando-a da sarjeta em que se encontra mergulhada. Dando-lhe, sem mentiras, o título de a Capital Maravilhosa.
  


   

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 20/12/2012
Reeditado em 22/12/2012
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