O VELHO E A CABRA
O VELHO E A CABRA
Diversas vezes me perguntei o que levava aquele senhor de idade, nordestino, baixa estatura e pele castigada pelo sol, a andar pela cidade de Natal, agarrado a uma cabra.
Dias era visto sentado na sombra de uma árvore, a pastorear a cabra, enquanto esta comia algum capim na beira da calçada. Noutros, o encontrava sentado à beira da calçada, simplesmente abraçado à cabra.
A curiosidade foi atiçando minha imaginação, ao ponto de um dia eu estacionar o carro no meio fio e abordá-lo, depois de cumprimentá-lo:
- Senhor! Parece que tem muito carinho pelo bichinho?
No início o homenzinho me ignorou, nem sequer ergueu o rosto e mudou a direção do olhar. Olhei para a cabra que permanecia parada ao lado dele e após um prolongado silêncio, escutei dele:
- Dona! Tudo que me resta é esta cabra.
Tentei obter mais alguma informação: - O senhor é daqui da cidade?
- Não!
- Porque veio parar aqui? O senhor tem jeito de nordestino lá do sertão. Enquanto acariciava o bichinho: - Ela é tudo para mim.
- Entendo! Como o senhor veio parar na cidade? Já faz algum tempo que vejo vocês por aí.
- Ah! É? – acariciou novamente a cabra e só então confessou triste: - Me largaram aqui na cidade.
- Quem largou o senhor aqui?
- Eu tava só no interior, sem sustento, sem família. Aí o Dolian disse:
- Simbora comigo véio! Vou cuidar do senhor. E eu disse:
- Vô não senhor! Sem a minha Salomé, vô não.
- Então o Dolian deixou o senhor trazer a sua amiga?
- Esta cabra é tudo que me resta. E eu ia ficar sem o meu leitinho? Fico não. Eu disse pro Dolian que ia pra cidade se a Salomé também fosse. Como ia deixar a pobre da bichinha só lá no sertão?
- O senhor gosta do leite da Salomé?
- Cabra que é macho, toma leite de cabra. – e estufou o peito: - Aqui tem homem, dona! É o leite de Salomé. Como é que eu ia abandonar a bichinha lá no sertão?
- Onde o senhor mora tem lugar pra Salomé?
- Tem sim senhora. Eu durmo na rede e a Salomé nos meus pés.
-Salomé dorme com o senhor?- questionei surpresa.
- Homem rapaz! Meu quartinho é um ovo de pequeno, mas dá pra eu e a Salomé?
- E Dolian permite que a Salomé durma com o senhor?
- Dona! Dolian deixa não, mas só durmo se for com a Salomé. Vamos Salomé.
E os dois saíram andando calçada adiante, sem olhar para traz. Eu permaneci ali parada, pensando na situação daquele sertanejo e sua cabra. Será que aquele homem sobreviveria sem seu animalzinho de estimação, num lugar longe da calmaria do sertão nordestino, onde ficaram suas raízes e identificação?
Aquele senhor, assim como muitos outros, fora arrancado do seu habitat, para ser despejado num quartinho de fundo de quintal de uma grande cidade. Destino: morrer lentamente de solidão, tristeza e saudades de sua terra natal. Esta é a dura verdade de muitos idosos na atualidade brasileira
.
Escrito por Cristawein.
O VELHO E A CABRA
Diversas vezes me perguntei o que levava aquele senhor de idade, nordestino, baixa estatura e pele castigada pelo sol, a andar pela cidade de Natal, agarrado a uma cabra.
Dias era visto sentado na sombra de uma árvore, a pastorear a cabra, enquanto esta comia algum capim na beira da calçada. Noutros, o encontrava sentado à beira da calçada, simplesmente abraçado à cabra.
A curiosidade foi atiçando minha imaginação, ao ponto de um dia eu estacionar o carro no meio fio e abordá-lo, depois de cumprimentá-lo:
- Senhor! Parece que tem muito carinho pelo bichinho?
No início o homenzinho me ignorou, nem sequer ergueu o rosto e mudou a direção do olhar. Olhei para a cabra que permanecia parada ao lado dele e após um prolongado silêncio, escutei dele:
- Dona! Tudo que me resta é esta cabra.
Tentei obter mais alguma informação: - O senhor é daqui da cidade?
- Não!
- Porque veio parar aqui? O senhor tem jeito de nordestino lá do sertão. Enquanto acariciava o bichinho: - Ela é tudo para mim.
- Entendo! Como o senhor veio parar na cidade? Já faz algum tempo que vejo vocês por aí.
- Ah! É? – acariciou novamente a cabra e só então confessou triste: - Me largaram aqui na cidade.
- Quem largou o senhor aqui?
- Eu tava só no interior, sem sustento, sem família. Aí o Dolian disse:
- Simbora comigo véio! Vou cuidar do senhor. E eu disse:
- Vô não senhor! Sem a minha Salomé, vô não.
- Então o Dolian deixou o senhor trazer a sua amiga?
- Esta cabra é tudo que me resta. E eu ia ficar sem o meu leitinho? Fico não. Eu disse pro Dolian que ia pra cidade se a Salomé também fosse. Como ia deixar a pobre da bichinha só lá no sertão?
- O senhor gosta do leite da Salomé?
- Cabra que é macho, toma leite de cabra. – e estufou o peito: - Aqui tem homem, dona! É o leite de Salomé. Como é que eu ia abandonar a bichinha lá no sertão?
- Onde o senhor mora tem lugar pra Salomé?
- Tem sim senhora. Eu durmo na rede e a Salomé nos meus pés.
-Salomé dorme com o senhor?- questionei surpresa.
- Homem rapaz! Meu quartinho é um ovo de pequeno, mas dá pra eu e a Salomé?
- E Dolian permite que a Salomé durma com o senhor?
- Dona! Dolian deixa não, mas só durmo se for com a Salomé. Vamos Salomé.
E os dois saíram andando calçada adiante, sem olhar para traz. Eu permaneci ali parada, pensando na situação daquele sertanejo e sua cabra. Será que aquele homem sobreviveria sem seu animalzinho de estimação, num lugar longe da calmaria do sertão nordestino, onde ficaram suas raízes e identificação?
Aquele senhor, assim como muitos outros, fora arrancado do seu habitat, para ser despejado num quartinho de fundo de quintal de uma grande cidade. Destino: morrer lentamente de solidão, tristeza e saudades de sua terra natal. Esta é a dura verdade de muitos idosos na atualidade brasileira
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Escrito por Cristawein.