A maior criação humana

As vezes penso que Deus se cansou da mesmice tola da natureza e aí nos criou. É como pela primeira vez contemplar o diferente. Estar diante de algo que é capaz de duvidar de sua existência. Algo capaz de criar deuses em minutos, com regras complexas e dogmas imutáveis. O homem é um equívoco de Deus? Não, jamais. O homem é a maior criação divina. É a única coisa criada que pode realmente entender quem é e o que é Deus. O homem livrou Deus da mesmice, do tédio, das cantorias tolas dos querubins, das pregações austeras dos arcanjos, dos louvores repetitivos dos anjos menores e da ladainha e obsessão de poder de Lúcifer. O homem deu sentido à obra divina. Posso ouvir um suspiro que perpassa as estrelas no silêncio da noite: “Enfim, nada foi em vão”. Agora é o homem quem canta as cantigas tolas, que prega austeramente, que louva repetitivamente, que deseja o poder; mas diferentemente de toda criação anterior, o homem é o único ser que escolhe. Todos antes criados cumpriam um mecanismo sistemático, um programa. O homem não. O homem ultrapassa o sistema, o programa, a máquina. O homem descobriu o não. O homem diz não. O homem diz basta. E isso fascina Deus. Algo que fugiu ao seu controle. E isso faz Deus ser Deus, pois é o único ser que cria algo que pode negar o próprio criador. Os anjos só podem ser anjos. Os animais só podem ser animais. O homem pode ser tudo. O homem pode crer ontem e amanhã não crer mais. O homem ama e odeia. O homem aceita e não aceita, o homem pode negar a vida.

Diante de sua criação máxima, Deus se torna neutro. Não interfere. Contra todas as teologias, Deus apenas olha, observa. Deus também aprende. Com o homem, Deus aprendeu a amar, a odiar, a ter ciúmes, a desejar, a chorar, etc. Deus estuda o homem, tenta entender aquilo que saiu de suas próprias entranhas e agora se apresenta como algo independente. Assusta-se quando o homem se aproxima do mistério. Como dizem os cientistas, as vezes “Deus rói as unhas”. E como num pique-esconde, Deus se esconde do homem. E esse jamais deixa de tentar encontra-lo.

Existe uma lenda maravilhosa. Ela conta que cerca de 2000 anos atrás, Deus provou a vida. Tornou-se homem. Quis sentir o que o homem sente. E habitou no meio de sua mais amada criação. Mas em pouco tempo foi descoberto. Todos identificaram naquele homem diferente, Deus. Deus não soube e não sabe ser homem. Deus é Deus e jamais será homem. E esse processo o assusta. Porque na vez que tentou ser homem sofreu uma morte humilhante. É como se o homem dissesse: “Você não nos engana! Para ser homem tem que ser em essência e não em aparência! Não nos venha com suas pretensões de salvação, não precisamos disso, somos criação divina!”

Desde então, Deus apenas observa. Observa esse ser tão pequeno fisicamente, mas gigantesco em espírito. Admira a complexidade do corpo humano, mas o que realmente o fascina é o poder do pensamento humano. Aquilo que jamais fora revelado por Deus é que ele percebe que a maior criação não foi criada por ele, mas pelos homens. Sim, os homens. Antes de existir o homem jamais havia existido Deus. O homem criou Deus, o homem deu sentido a Deus, deu-lhe teologias, teogonias, bíblias, louvores, rituais, etc. Sem o homem, Deus jamais saberia quem ele mesmo seria. E por isso ele apenas observa, pois assim a cada momento descobre algo mais sobre si.

02.03.07

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 02/03/2007
Código do texto: T399012
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