O Rosto do Rabino



     Quaresma: tempo de  escrever crônicas religiosas; mesmo que o cronista seja um incorrigível pecador, como é o caso deste renitente escriba...
     Mas vamos lá. Quando estive na Grécia, os santos ícones - essa maravilhosa criação bizantina do Século V - me conquistaram. 
      Em Atenas, levei horas admirando-os nos   templos ortodoxos que visitei.  Até participei de uma missa rezada no Rito Oriental, no santuário de Santo Eleutério, que ficava a um passo do meu hotel. 
     E declaro: deixei a velha Hélade apaixonado pelas igrejas bizantinas; mormente pelas suas iconostases.       Se voltar à bela capital grega, não hesitarei em visitar mais igrejas ortodoxas. E o farei antes de ir à Acrópole; antes de tomar um vinho na Plaka; antes de subir o Lycabettus, para ver o pôr do sol, um dos mais bonitos do mundo.
     De repente, me tornei um iconófilo.  Hoje, procuro cada vez mais entender as mensagens que os santos ícones transmitem.  
     Juro que, na Grécia, senti-me tentado a trocar as imagens da minha Igreja, a Católica romana, pelas "imagens" da Igreja Ortodoxa. 
     Voltando a Salvador, comprei muitos livros sobre ícones celebres e iconistas famosos. De logo, surpreendeu-me a informação de que o primeiro ícone só havia aparecido com o nascimento de Jesus.  
     Antes do nascimento do Menino de Belém, não se podia reproduzir nem a imagem de Deus, registra a Irmã Maria Donadeo no seu livro Os ícones - Imagens do invisível
     Só após a chegada do Messias, ícones de anjos e santos começaram a sair dos pincéis de notórios iconógrafos, na sua maioria, monges.  
     O Evangelista Lucas aparece "como o primeiro pintor de ícones".  Pesquisadores atestam, que são do autor do Terceiro Evangelho os mais expressivos quadros da Virgem Maria. Lucas a teria conhecido pessoalmente.
     São quadros consagrados. Vamos relembrá-los: Madona - Maria com o Menino Jesus no braço esquerdo; Nossa Senhora da Ternura - Maria com sua face colada ao rosto de seu Filho; e Nossa Senhora...sozinha - a virgem em posição de oração, sem o o Menino. 
     E o rosto do Rabino? Tantos séculos se passaram, desde o aparecimento dos primeiros ícones, e, volta e meia, alguém indaga: afinal, como era o rosto de Cristo? Nem os quatro evangelistas arriscaram-se a dizê-lo.
     Na Era moderna, a informática vem tentando dar um rosto ao Filho do Homem. Uma foto saída dos computadores mostra um Jesus muito diferente daquele que o mundo acostumou-se a ver e aceitar.
     Não faz muito tempo, a Nacional Gallery de Londres promoveu uma exposição intitulada The Seeing Salvation: the Image of Christ.   Estiveram à mostra o rosto de Jesus pintado por Ticiano, Murilo, Velázques, Salvador Dali e por outros pintores de séculos diferentes.
     Iniciativa elogiável. Pelo menos permitiu ao visitante escolher o rosto do Nazareno que mais legítimo lhe pareceu. 
     Enquanto não se chega a uma conclusão, faço minha opção: fico com o rosto que Ticiano pôs na tela Noli me tangere - Não me toques, pintada em 1515. 
     Ticiano mostra Jesus, após a ressurreição, e Maria Madalena querendo tocá-lo. Ele dela se afasta. Querendo dizer, "que o tempo de sua presença física na Terra tinha chegado ao fim: seus fiéis deveriam amá-lo, apenas, espiritualmente", foi o que colhi em algum lugar.
     Creio, que o verdadeiro rosto do Mestre só será  conhecido pelos vivos quando for encontrado o "Ícone  da Encarnação", o primeiro da História.  
     Por enquanto, conhecem-no somente os que já partiram, merecedores, claro, de tão grande privilégio...

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/03/2007
Reeditado em 11/02/2020
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