Vou te contar

Ele nuca tinha ouvido uma história quando criança. Talvez por isso mesmo tivesse se tornado avesso a livros, leitura, aulas de língua portuguesa ou qualquer coisa do gênero. Isso não porque houvesse faltado oportunidade de ter contado com as leves e animadas narrativas infantis, mas por falta de interesse mesmo. Falta de interesse dele originada do mesmo desinteresse da avó, que não tinha tempo para esses mimos.

Ser mãe e pai não é tarefa de fácil execução, ser mãe, pai e avó para aquela senhora, era algo que tomava o tempo, o pouco dinheiro e a pouca energia que tinha. Já bastava uma olhada no caderno, nas roupas, um “Deus te abençoe” e pronto. Missão cumprida. A velhinha até tentou algumas poucas vezes, contar a Ele uma pequena história, quando Ele ainda era bem pequeno, mas bastava iniciar o era uma vez e já estava dormindo.

Desta forma, já crescido, com seus dezesseis anos, não sabia e não tinha o menor interesse em saber uma história que fosse. Bastava a oportunidade e Ele já estava longe das frases, dos parágrafos, dos personagens, da fala e de todo o resto. “ Não gosto” dizia Ele com a expressão de uma criança que olha para a mesa e ao deparar-se com o jiló, se recusa a provar.

Até que, naquela sexta – feira, levantou-se cedo, arrumou-se e saiu para uma volta com os amigos, já que não haveria aula e a mesada recém- recebida precisava de um bom destino. O centro do Rio inteiro à disposição, Jota Quest para ouvir ao celular e os amigos, o dia inteiro, sem hora de retorno, ou, o retorno após as ligações da avó. Entraram em vários locais, jogaram conversa fora pela rua e após algumas horas estavam frente a um outro grupo, sentado em círculo, ali mesmo na Praça XV.

Então, uma grande e pouco reconhecida virtude chamada curiosidade, falou mais alto, fazendo com que Ele e seus amigos se aproximassem, para saber do que tratava aquela séria e nada secreta reunião de amigos. Bastaram alguns cumprimentos e sorrisos, e o convite para que Ele e seus amigos se unissem ao grupo foi feito. Ao se aproximarem, aumentando o círculo e estendendo a conversa, perceberam logo que se tratava de uma roda de leitura, atividade habitual e semanal daqueles adolescentes.

O espanto dele e a vontade de sair à francesa eram notáveis e indiscutíveis. Quase levantou de imediato, chamando os amigos dizendo que tinha compromisso e que a atividade ficaria para a próxima oportunidade, mas a receptividade, a insistência do novo grupo e o respeito ao gosto dos amigos que queriam ficar um pouco mais, fizeram com que Ele ficasse. Calado, observando o que ocorria. Os textos eram curtos e leves, leves e fortes, contos, crônicas, finais surpreendentes e situações nas quais Ele nunca se imaginou. Ouviu cenas do seu cotidiano, leu o que nunca esperaria e sentiu-se picado pelo inseto do verbo e da canção, doente, em estado diferente do habitual.

Aquela reunião acabou, a próxima roda de leitura aconteceria em uma semana e Ele despediu-se de todos pensativo, com uma pulga atrás da orelha. Pulga que pulou das páginas, dançando, para chamar-lhe a atenção. Assim, arrumou-se, e ao sentar à mesa para jantar, inquieto, olhava insistente para a avozinha já morta de sono, que olhando para Ele com mais atenção percebeu algo diferente. “ O que são esses papéis menino?” E Ele, sorridente, responde deixando de lado o prato: “ Vó, quer ouvir uma história?”