História para boi dormir

O sol escaldante fervilhava o asfalto trêmulo. Aproximava-se a estação mais quente do ano.

Nenhuma nuvem no céu. Os ponteiros do relógio assinalavam meio-dia.

Na televisão, a vinheta anunciava o início do Jornal do Almoço.

Foi quando Camilo levantou-se do sofá, girou a maçaneta da portinhola de sua residência e avistou um pássaro de bico longo e peito amarelado, como um bem-te-vi, andando em cima do fio da luz.

Dançava preocupadamente. De um lado para o outro.

Isto deixou o varão de vinte e seis anos perplexo, pois parecia haver alguma coisa no local.

Os joões-de-barro que se encontravam a dois metros em um poste, na sua oca de barro, anunciavam a presença de alguém com seus gorjeios característicos.

Não era algo a temer.

Outro pássaro preto e de estrutura menor, acomodava-se na cabeça de um boi.

Talvez esse tenha sido o fato pelo qual deixara o bem-te-vi atônito.

O boi dourado como era chamado pelo seu dono, o senhor Almeida, possuía grande porte, quadris gigantes, cauda comprida, quase encostando no chão, guampas desproporcionais, cabeça retangular.

Pastava ininterruptamente o dia inteiro.

Mal notou o pouso do passarinho em sua cabeça, porquanto o mesmo assemelhava-se a um colibri no tamanho.

A segunda parte da tarde iniciava-se; o relógio da cozinha marcava 15h e15min.

E lá estava dourado, cabisbaixo, mastigando grama.

- O quê? Mais uma companhia?

Observou, Camilo, da janela de sua casa.

Enquanto o minúsculo pássaro bicava freneticamente o hospedeiro do boi-zebu, situado precisamente, sem medo de errar, quatro dedos de seu olho esquerdo, pousa descansadamente um quero-quero bem na corcova, também chamada de cupim do gado.

Recém passado sua identidade de filhote, esta ave de plumagem cinzenta, apenas avistava o amplo campo geográfico do potreiro, de cujo acesso, limitava-se a RS 244- Senador Florêncio, como costumam assinar os habitantes, ou ainda o início da Rua Doutor Eugênio de Melo, na cidade de General Câmara.

A fachada da casa de Camilo, especialmente do portão, configura uma visão privilegiada.

No horizonte, ao fundo, encontra-se o cemitério. No campo-santo fora erguida uma estruturada capela onde são realizadas costumeiramente as celebrações.

Ao longe, observa-se a cruz marrom no ângulo entre as duas águas que divide o telhado da pequena igreja seguido por inúmeros túmulos floridos. As lápides estavam floradas, pois há poucas semanas havia sido finados.

Algumas carneiras-capelas lembram o Palácio de Versalhes da França de tão suntuosas. No portão principal da parte antiga, ainda permanece a data de fundação 1930. Do outro lado as gavetas notabilizam-se pelo espaço lotado. À esquerda, fora do cemitério, grupos de taquarais servem de sombra a três moradias circunjacentes.

À direita poucas casas.

O movimento que se observa com frequência é do motorista da ambulância, o senhor Nathanael que fica a alguns passos da residência pacata de Camilo, imitando uma diagonal de distância como o trajeto do Bispo no xadrez.

No verão o sol costuma se pôr em torno de 20h e 30min pouco mais ou pouco menos dependendo da situação do clima.

Já finalizava à tarde.

Finalmente dourado dá uma trégua e vai beber água no açude, que por sinal é enorme.

Permanecem enraizados onde pousaram: o pássaro na cabeça e o quero-quero no cupim do bovídeo.

O zebu sorvia água de forma desesperada. Tamanha sede que acabou engolindo uma carpa em uma de suas violentas sugadas.

Ao mesmo tempo um ganso branco tenta espantar o mamífero dali com o grasnido estridente, porque estava próximo ao ninho; havia perigo aos filhotes que acabaram de nascer.

Josinei Azeredo
Enviado por Josinei Azeredo em 09/10/2012
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