Deposito de Velhos
Quando estamos na faculdade geralmente fazemos muitas amizades, algumas se perdem nos caminhos da vida, outras permanecem mesmo quando já estamos formados. Assim aconteceu comigo, muitos amigos daquela época já não tenho mais contato, vez ou outra nos encontramos em shoppings, praias ou clubes, mas são raras essas ocasiões.
Foi assim com uma amiga muito querida, (como não pedi autorização a ela para escrever esta crônica, darei a o nome de Mara) durante o tempo de faculdade Mara foi uma amiga muito querida, a ponto de eu aceita-lá como minha confidente. Muito frequentei a casa dela, adorava os mimos que sua mãe me fazia. Apesar de ser uma família humilde, dona Iraildes (nome fictício) estava sempre sorrindo e de bem com a vida, uma senhora simples que trabalhava de manicure em casa para ajudar nas despesas com os três filhos já adultos.
Mesmo sabendo ser ela uma mãe amorosa, sempre percebia que os filhos, entre eles minha amiga Mara, a tratavam com certa arrogância. Muitas vezes á via repreendendo-a em tom grotesco por falar uma palavra errada, ou ralhando porque o suco estava com muito ou pouco açúcar, entre outras coisas que certamente a magoava...
Dava para perceber o olhar de admiração que ela olhava para o filho mais velho, mas nunca vi esse olhar ser retribuído, a filha caçula mesmo com pouca idade, acho que na época ela devia ter uns 15 ou 16 anos, já mostrava sinais de rebeldia e vulgaridade. Certa vez chamei a atenção de minha amiga sobre esse fato e ela me respondeu:
- Amiga, você reclama porque não tem que dividir um quarto com dois irmãos e aturar uma mãe analfabeta.
Naquele instante eu sabia que se respondesse o que realmente pensava dela, nossa amizade terminaria ali.
O tempo passou depressa, nos formamos e ela casou-se. Foi morar em Salvador e terminei perdendo contato.
Há alguns dias me encontrei com ela e o marido em um supermercado, foi uma grande alegria, depois de nos abraçamos, como não poderia deixar de ser, perguntei pela mãe dela... Fique horrorizada quando ela com muita naturalidade respondeu:
- Minha amiga, mamãe sofreu uma AVC há um ano atrás e perdeu quase todos os movimentos... Como você sabe, eu não moro aqui, meu irmão tem a esposa dele e o filho, nossa irmã mais nova estava deixando-a sozinha à noite para sair, só encontramos uma solução: coloca-la em um asilo.
Mais uma vez não falei o que pensava dela e da atitude tão mesquinha que tinha tomado junto com os irmãos. Antes de nos despedir, manifestei minha vontade de fazer uma visita àquela senhora que em outros tempos tinha sido tão gentil comigo. Mesmo não mostrando muito entusiasmo ela me passou o endereço.
Alguns dias depois, resolvi que era chegada a hora de visitar dona Iraildes.
Meus amigos leitores, não deixarei aqui registrado o nome da instituição e suas precárias instalações, só posso lhes garantir que aquilo lá, mais parece um DEPOSITO DE VELHOS!
Assim que passei pelos portões que por si só já pareciam portões de cemitério, depois de estacionar, enquanto atravessava o pátio sombrio, me deparei com um senhor sentado em uma cadeira de rodas sozinho, tentava vestir uma camisa sem conseguir. Quando me aproximei, ele me disse que não sentia o braço direito. Procurei em volta e não avistei um único funcionário que pudesse ajuda-lo, meio sem jeito, consegui com que ele vestisse a camisa, sabia que se parasse para conversar ele teria mil historias para contar, mas meu intuito ali era visitar dona Iraildes.
Depois de perguntar na recepção, uma funcionaria fume informou o quarto que ela estava.
As condições que a encontrei foram de lamentar, em uma cama com o forro todo amassado, estava àquela senhora deitada olhando para o teto, na minha mente esperando a morte chegar. Me aproximei e pegando em sua mão, perguntei:
- Dona Iraildes ainda lembra de mim?
Ela me olhou e de seus olhos desceram lagrimas, como não poderia ser diferente, naquela altura eu já chorava mais que ela.
Falando com bastante dificuldade e a respiração pesada, ela disse?
- Como poderia esquecer minha menina? Você sempre foi minha menina. Aquelas palavras me deixaram com o coração partido. Ali ela com dificuldades e em lagrimas me falou da tristeza que foi deixar sua casa e da saudade que tinha dos filhos, no quarto que ela estava tinha mais três camas, todas ocupadas por idosos nas mesmas condições ou pior que ela. E apesar de ser uma tarde de domingo, nenhuma delas tinha visita. Fiquei sabendo ainda que mesmo todas as internas tendo suas deficiências, elas se ajudavam na medida do possível, quando uma sentia sede, a que ainda conseguia levantar ajudava, pois dificilmente os funcionários tinham tempo para esses mimos.
Depois de uns 30 minutos de visita, me despedi com a promessa de voltar outras vezes, antes de sair ela segurou em minha mão e disse que todos os dias ao acordar ela perguntava a Deus porque permitiu que ela visse mais um amanhecer...
Enquanto me encaminhava para o estacionamento, fui conversando com a chefe da instituição, que lamentava a falta de visitas para aquela paciente, e que os filhos quando muito, ligavam para saber como ela estava. Disse também que durante todo aquele tempo ela só tinha visto o filho quando vieram trazê-la. E a filha que morava em Salvador, uma vez a cada dois ou três meses aparecia para uma visita rápida. Quando perguntei pela filha caçula ela me respondeu que desconhecia se ela tinha uma terceira filha...
O mais incrível foi ficar sabendo pela própria coordenadora que a instituição não tinha médicos, quando um idoso necessitava de atendimento eles chamavam o SAMU e os transportavam para o hospital.
Depois daquela triste visita cheguei a conclusão que tenho que rever meus conceitos com relação aos idosos abandonados, dentro do meu egoísmo sempre me dedicai a crianças carentes, esquecendo que os idosos também são carentes de gente como nós...
É LAMENTÁVEL SABER QUE COMO MINHA AMIGA, AINDA EXITEM MUITOS FILHOS QUE TRATAM OS PAIS COMO UMA ROUPA VELHA QUE JOGAMOS NO DEPOSITO, QUANDO NÃO NOS SERVE MAIS E Á DEIXAMOS ESQUECIDAS.