138 - UM MONUMENTO À MINHA ESTUPIDEZ...

Morávamos em uma casa que possuía um imenso quintal e fomos plantando árvores frutíferas, entre estas plantei uma muda da manga Bourbon que foi cercada de todos os cuidados, regularmente regada e adubada, logo em árvore frondosa se destacou e na primeira florada no seu volteio eu ficava imaginando que belos e saborosos frutos iríamos colher!

E para a nossa alegria apareceram os primeiros frutos, não só para a nossa alegria como também para a alegria de um bando de periquitos que todas as manhãs na maior algazarra do mundo devoravam as nossas tão desejadas mangas, e que sem respeito algum pela propriedade alheia faziam um imenso estrago, na verdade nem esperavam que as frutas amadurecessem, e usamos de todos os meios que estavam ao nosso alcance para espantar e afugentar aqueles invasores, de nada adiantava gritar, bater latas, bombinhas de são João, no máximo eles davam uma revoada pela vizinhança e no primeiro descuido lá estavam eles saboreando as nossas mangas!

Tem sempre aquele dia que a gente se levanta com o pé esquerdo, nesse dia estamos de mal com a vida e olhando para a mangueira lá estavam eles, pensei, na certa fazem parte do movimento dos periquitos sem terra, ou melhor, sem manga, aquela folia estrondava, na minha alma uma surda e medonha revolta foi crescendo, não os espantei, mas sai de casa firme e decidido a acabar com aquela balburdia, fui até uma loja de artigos de caça e pesca e comprei uma espingarda de pressão, aquela que usa um chumbinho como projétil.

Crassa estupidez minha, cheio de valentias e iras vingativas, espingarda carregada, preparada para o primeiro tiro, no pé por pé me aproximei da mangueira, calmamente, sorrateiramente na distância apropriada para um tiro matador estaquei na mira calculada e puxei o gatilho e o meu tiro certeiro de barulho abafado espantou o bando de periquitos, respirei agradecido por ter errado, mil vezes agradeci por ter errado aquele tiro, já aliviado foi quando melhor atentei para a mangueira, num cacho de mangas um periquito nele estava agarrado, agonizava, no verde da sua plumagem uma pequena mancha amarronzada começou a se destacar, aquela visão atemorizante me engolfou e arrastou para as entranhas de um medonho pesadelo, apavorante, aquele chumbinho que atravessou o peito do periquito avançou também pelo universo afora e nele ricocheteando se voltou contra mim tal qual um bólido que em cheio atingiu e estraçalhou o meu coração agora a sangrar arrependimentos e amarguras!

A pobre avezinha se debatendo, contorcendo, ainda agarrada no cacho de mangas, pendurada de cabeça pra baixo galhardamente insistia pela vida...

– Deus meu! Um homem não pode ser assim, tão estúpido!

Senti-me o pior dos piores malfeitores, o mais maldosos entre todos os maldosos, desmoronou toda a minha alegria, desesperancei quando o periquito da vida desprovido despencou das alturas estatelando no chão. Segurei-o com o mesmo carinho e cuidado como se segura uma criancinha recém-nascida, implorando por perdões a alma minha entristecida se desfigurou em meio a fortíssimos arrependimentos e ao pé daquela mesma mangueira enterrei o pobrezinho.

Perturbações medonhas, desmedidas, no meu mar de dentro avançavam em ondas avassaladoras ferindo e me machucando em brutalidades na certa compatíveis com a minha maldade, aquela espingarda de chumbinho eu a amaldiçoei, nunca mais haveria de atirar, nem seria vendida, pra sempre guardada, silenciada, em um monumento à minha estupidez se transformaria.

Recentemente mudamos de casa e nesta nova residência em um amplo quintal mesmo que todo ladrilhado não esqueci de plantar árvores frutíferas, flamboaiã-mirim na calçada florescendo o ano inteiro, atrativo para os beija flores e insetos, mudas de amora, pitanga e de goiaba, a muda de goiaba trazida da roça de uma variedade cujos frutos se destacam não só pelo tamanho, mas também pelo sabor, com os mesmos cuidados que dedicamos àquele pé de manga cuidamos também deste pé de goiaba que logo cresceu e em copas se avolumou e para a nossa alegria da primeira florada vingou algumas dezenas de belas goiabas!

Ontem no amanhecer fui acordado com uma algazarra inesperada, silenciosamente abro a janela do meu quanto e o que vejo?

Um bando de maritacas, periquitos e alguns sanhaços se deliciando nas goiabas, saltavam de um galho para o outro, brigavam por determinados frutos, aquela sinfonia elevou a minha alma que se transbordou de alegrias e contentamentos...

Ainda hoje quando alguém me pergunta o porquê daquela espingarda de chumbinho permanecer no meu quarto à vista, um objeto completamente fora do contexto da mobília, eu logo respondo:

- Esta espingarda é um monumento à minha estupidez, o seu silêncio fala de fatos que de há muito gostaria de já tê-los esquecidos...

E volto a avivar o acontecido...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 24/09/2012
Reeditado em 26/09/2012
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