Ereção intelectual



 
                        Outro dia,  soube que o grande pintor espanhol  Salvador Dali dizia que vivia em constante ereção intelectual.  Esta frase me fascinou, porque, na verdade, venho quase que descobrindo que tudo na vida se reveste de amor. O amor de várias espécies, não só o carnal, dos amantes e que os poetas, que vivem em constante furor amoroso, tão bem ou tão mal, depende do ponto de vista, descrevem seus amores.
                        Mas o que quero dizer realmente é que não se dá um passo na vida sem que haja algum entusiasmo, algum amor. O genial Nelson Rodrigues já antevia isso ao dizer que não se  consegue chupar  um picolé sem entusiasmo.
                        Ao começar esta crônica, claro e evidente,  que estou possuído de entusiasmo,  e mais: quero acrescentar que procuro também um sabor agradável no que escrevo.  Sirvo-me, para isso,  da literatura, da escrita,  como diria Barthes.
                        Você, leitor, que está atento ao que digo, logo chegará à conclusão, portanto, que estou possuído, neste instante, de alguma ereção intelectual, como  diria o pintor Dali!  E, realmente, estou! Não se assustem comigo com o que vou contar agora.  Estava eu com meus 20 anos e um dia resolvi conversar com meu pai sobre um amigo dele, um grande intelectual. Uma vez por semana, o Antenor parava em frente à nossa casa, em Botafogo, no Rio, tocava a buzina do seu lindo carro Oldsmobile, hidramático, cor verde-água,   para avisar meu pai que havia chegado. O “velho” me dava um calhamaço de papéis datilografados para eu entregar ao Antenor.  Chegando na janela do carro, reparava que o amigo do papai sempre estava acompanhado de uma bela mulher. Ele recebia os papéis, que eram trabalhos jurídicos para serem publicados num jornal da cidade, referente a consultas do povo sobre direitos trabalhistas. Explico: meu pai era advogado trabalhista e fazia esse favor ao amigo de responder as perguntas dos leitores do jornal. O Antenor era um homem ocupadíssimo e não lhe sobrava tempo para esse trabalho, que era passado para meu pai.
                        Pois bem, certo dia, como um bom jovem  antenado e já com certo “entusiasmo” resolvi perguntar ao meu pai a razão de tanta mulher bonita, sempre acompanhando o Antenor. Claro que mudei o nome do cara para Antenor, os leitores entendem, não?  Instado a esclarecer a minha pergunta, disse que achava, na minha santa ignorância, que um intelectual não deveria se interessar tanto por mulheres. Foi aí que recebi mais uma daquelas belas lições do meu pai cinquentão. A resposta foi rápida: - “meu filho, você está enganado, quanto mais intelectual,  mais sensual o homem é”.
                        Essa resposta me fez entender outro intelectual, que frequentava as festas de nossa casa. Sempre comparecia nas festas a Isabelita, grande pianista e cantora. Os dois últimos a saírem da festa eram justamente a Isabelita, por ser a cantora,  e, por “coincidência”,  o Herbert, que se oferecia gentilmente para levar a Isabelita em casa. O ritual, todo o ano, era sempre o mesmo: Isabelita encerrava cantando “Vai azulão, companheiro vai”. Acabado o canto, sob o meu olhar atento, logo se  levantava o Herbert e oferecia carona para a cantora, quando o relógio já marcava quase três horas da manhã. E eu anotava o acerto da teoria do meu pai. Pensava com meus botões: “já tenho a necessária ereção, o que está faltando, agora,  é a intelectualidade...”