Manual Prático da Política de Senhas

Funciona mais ou menos assim. Você precisa de uma senha para pegar a senha. Uns quarenta minutos depois de você pegar a primeira senha, vem a segunda e mais um chá de cadeira. Só então começa a tal da triagem para o atendimento. Três cochiladas (uma delas no ombro de alguém na cadeira ao lado) depois, sua variante quântica é apitada no painel.

Mas cuidado, caso demore dois minutos treze centésimos e vinte e sete milésimos, o humanoide por trás das emissões das senhas pode achar que você não se encontra ali e chamar o próximo. Caso isso aconteça, não se esqueça de pegar novamente outra senha (a primeira, por favor).

Depois de atendido, retire seu primeiro volume do Dom Quixote e inicie a leitura. Caso não tenha, procure uma de nossas atendentes. Não aconselhamos Paulo Coelho, pode lhe dar sono e consequentemente dormirá, ocasionando a retirada de mais uma senha, iniciando o processo novamente, gerando novos transtornos, ocorrendo a chamada do gerente, que vai dar no mesmo. Estarei lhe emitindo uma nova senha para a segunda fase.

Ah, a segunda fase! Agora as coisas melhoram um pouco. O andar é outro, as poltronas são reclináveis, ar condicionado, música ambiente, televisão com closed captions e uma tia gostosona que passa a cada 10 minutos oferecendo um cafezinho. Se quiser com açúcar não se esqueça de pegar a senha.

Mas não se iluda, o cafezinho é para não ler Paulo Coelho, a televisão é para lhe alienar, a música ambiente é apenas para abafar o som do pebolim na sala de descanso (que aliás precisa de um descanso), o ar condicionado na verdade está desligado, o vento que você sente vem da ventarola acima dos banheiros, e as poltronas na verdade são recicláveis (erro de digitação do estagiário).

Quando eu me referia a “ melhoram um pouco”, na verdade eu estava dizendo que não é necessário pegar outra senha. Você pode utilizar a mesma para os três atendimentos, exceto se você quiser um café.

Lido o segundo volume do Quixote, passado os três atendimentos, você será enviado para mais um setor. Não estranhe se a pessoa que lhe atender seja a mesma que emitiu a primeira senha. Aproveite, e pegue mais uma.

Como está quase no final (eu disse final?), as coisas pioram um pouco. O máximo que você encontrará aqui será um chá, de cadeira. Uma 14 polegadas passando Casos de Família com o tema “Minha sogra acha que é minha mãe”, a melodia de Valeska Popozuda no celular da poltrona ao lado (a mesma que você dormiu há pouco) e uma tia, daquelas de 56 anos de carteira assinada (no mesmo lugar!), com um cavanhaque branco com pelos no maior estilo rabo de porco e um bigodinho de suor.

Tenha paciência e se seguir tudo como combinado, sem reclamar, será muito bem atendido. Muito obrigado pela preferência, volte sempre e lembre-se precisou, procure-nos. Só não se esqueça da senha.

Economize papel.