O olhar do idoso

Eu vejo sobre os muros da impaciência. Já não me limito ao urgente ou ao impossível. Posso passar horas numa contemplação silenciosa do vento.

Eu sinto com a calma do já vivido. Meu coração é sereno e pode entender o que antes era incompreensível.

Caminho com passos certos e decididos mesmo quando parecem bambos, pois não sofro mais com o peso do perfeccionismo.

Minhas mãos são menos ágeis agora, mas concentram-se num trabalho reconfortante e que é compensado pelo prazer de servir.

Os meus olhos não enxergam como antigamente. Porém, de olhos fechados, consigo ler a alma do outro sem julgamentos.

A minha pele sofre com o sol e com o vento, tão frágil e fina ficou. No entanto, consegue mais do que qualquer um captar as sensações da vida que a rodeia.

Canto não mais com a voz melodiosa e juvenil, mas com o espírito tranquilo da certeza de cada nota.

O sexo passou a ter menos importância em minha vida, pois o prazer que busco agora é aquele capaz de preencher os lugares mais recônditos de meu ser.

Tenho toda a paciência do mundo, principalmente com aqueles que não a possuem. A paciência é uma dádiva que se conquista com muita experimentação.

Não concebo mais sonhos inatingíveis, mas vivencio as recordações da vida que já vivi. Talvez sonhos pequenos, mas cheios de possibilidades de felicidade. Tudo me parece mais gentil agora, até mesmo as pequenas rusgas do passado, porque delas emanam nostalgias dos tempos idos.

A areia entre os dedos, depois da praia, não mais me incomoda. Concentro-me no prazer de caminhar, no frescor da água salina, no cheiro da maresia.

A obsessão pelo corpo perfeito ficou perdida no tempo. Convivo bem com as gordurinhas e a flacidez. Nem mesmo as rugas me aborrecem. Elas são resquícios de todas as lágrimas e de todos os sorrisos.

Faço compras como quem faz um passeio. Enfrento filas como quem espera pela namorada. Proponho monólogos como quem discursa no "Oscar". Tudo é sereno agora e tem a maior importância quando fala da vida que continua.

Hoje sinto o ar nos meus pulmões. Aprendi a ser grato ao milagre da vida, seja ele como for. Não me prendo mais aos cheiros inebriantes e caros. Gosto mesmo é do perfume da chuva quando toca a terra.

Não me revolto contra o sistema. Revolto-me contra as pessoas que se alienaram a ele sem lutarem.

Sento no banco da praça não para cobiçar as mulheres que passam. Sento no banco da praça para apreciar a vida que se desenrola em pequenos episódios, que podem ser o pássaro gorjeando, o rapaz engolindo apressadamente um cachorro-quente ou uma criança correndo. Os detalhes não me escapam mais. Tenho tempo para eles.

Eu vejo o mundo, mas o mundo já não me vê. E, no entanto, nunca me senti mais apreciado, mais amado e querido, pois agora sou apreciado, amado e querido por mim mesmo. Agora eu me vejo.