OLHAR GENEROSO

OLHAR GENEROSO

(Crônica de Carlos Freitas)

Depois de certa idade, é comum nos vermos à frente de um espelho, com olhares generosos, conferindo nosso aspecto em relação ao dia anterior, da hora passada, ou, mesmo ainda do último minuto. Isso é bom! Significa que não deixamos nos levar pela idéia de que caminhamos a esmo, ou, de que estamos com a boca escancarada, nem sempre cheia de dentes, esperando, a morte chegar.

Significa verdadeiramente, que preservamos a gana em viver com intensidade. Basta que nos proporcionemos isso, além-claro, de aproveitar tudo, ou, quase tudo o que de bom e maravilhoso, graciosamente a vida nos dá.

Segundo Masaharu Taniguchi, líder religioso japonês (1893/1985), “reter na mente coisas desagradáveis, é como andarmos com pedrinhas dentro do sapato. Enquanto estivermos caminhando pela estrada da vida, elas nos machucarão e atormentarão. – Porque não jogar fora essas pedrinhas que estão no nosso sapato e também na mente?” – sugere.

Todo dia, por onde quer que andemos iremos encontrar pessoas. Algumas delas por algum motivo irá atrair nossa atenção... E, um desses motivos será pela idade!

Numa analise sórdida e silenciosa, nossa “vitima” será crivada pelos nossos críticos olhares. Seu aspecto físico será dissecado, devassado. Se, “nela” encontrarmos algo fora do lugar, nos surpreenderemos ao exclamarmos atônitos: - Meu Deus! Ela deve ter a minha idade – Será que estou tão velho e acabado quanto ela?

Sobre esses tormentos, uma amiga da mesma idade contou-me o que lhe aconteceu. Vilma – o seu nome.

... Certo dia, ela folheava uma revista qualquer na sala de espera do novo dentista. Num outro momento, seus olhos passeavam pelas paredes decoradas da sala. Pararam no quadro do diploma. Levantou-se. Chegou mais perto. O nome que leu, a fez retroceder no tempo. Mais ou menos quarenta anos. Lembrou-se do Colegial, da sua turma, onde havia um rapaz alto, moreno e com o mesmo nome e sobrenome – Roberto Paiva! Perguntou-se: - Seria ele o mesmo rapaz por quem se apaixonara, sem que ele disso soubesse?

Ao entrar no consultório, refutou o insólito pensamento da lei das probabilidades, e da sua mente. À sua frente via um homem moreno, gordo, cabelos grisalhos, quase calvo, pele enrugada e demasiadamente velho! O rapaz que fora o seu amor secreto, não poderia ter se transformado naquele sapo horrível, ali à sua frente.

Desdenhou da idéia!

Mas, ainda não estava satisfeita! Assim que dele recebeu o orçamento, impaciente e curiosa Vilma perguntou-lhe se estudara no Colégio Sacrê Leclair. – Sim - disse ele naturalmente. – Quando se formou Doutor Roberto? Insistiu. - Na turma de 1962. – Por que Vilma? – quis saber, denotando indiferença. - Por incrível que possa parecer... Você era da minha classe no colegial! – exclamou ela eufórica.

Em segundos percebeu arrependida, que não deveria ter remexido no passado. Pareceu a ela, que o rosto de Roberto, fora dominado por todo o instinto de maldade oculto naquele cérebro podre! Deveria ser um demente, com as ferramentas de trabalho nas mãos!

Então, aquele verme nojento, cretino, careca, barrigudo, flácido, esclerosado e, filho de uma prótese, encarou Vilma, olho no olho, e perguntou sem constrangimento algum:

- A senhora era professora de quê?

Maldito... Ignóbil!

Carlos Freitas

Carlos Freitas
Enviado por Carlos Freitas em 18/07/2012
Reeditado em 31/01/2018
Código do texto: T3784666
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