Aventura no Amazonas - 1

Rio Amazonas, 25 de outubro de 1996 - sexta-feira

Diário de bordo

Em 1996 estava concluindo meu curso de jornalismo, com um documentário sobre o estágio de Medicina chamado Internato Rural, no qual alunos iam ao interior levar e trazer conhecimentos médicos.

Eu e a professora Aparecida Morais, do Departamento de Saúde Coletiva, uma das orientadoras do Internato, fomos até Parintins (a cidade do Caprichoso e do Garantido) em um avião bimotor. Lá, encontramos Silvano e Stanley, dois alunos de medicina que estavam concluindo o estágio.

Iríamos até uma vila chamada Caburi, distante de Parintins cerca de quatro horas de barco, e um dos locais onde era realizado o Internato Rural.

Éramos seis: eu, Silvano, Stanley, a professora Aparecida, a dona Graça Muniz, que cuidava da sede da Ufam em Caburi, e Sebastião, piloto da lancha e responsável por articular as atividades do Internato e pelo entrosamento entre os alunos e a comunidade.

Tudo isso, fora as bagagens, a filmadora, o tripé, muita comida para três dias e a coragem, numa canoa de quatro metros de comprimento por um de largura.

Tivemos que atravessar o Rio Amazonas nessa canoa, a "voadeira" (uma canoa de alumínio com motor de popa). Atenção, crianças e adultos, não façam isso em casa. Nem no Rio Amazonas.

Perguntei a dona Graça, acostumada a essas viagens, se o rio era veloz o tempo todo e se ela estava com medo:

- "Medo? Medo eu sempre tenho, mas a gente tem que fazer". Disse ela com os olhos vidrados no banzeiro violento do rio. Banzeiro é o nome que damos às ondas de rio por aqui.

Disseram que depois das quatro da tarde o rio diminuía a correnteza, mas acho que o rio não sabia. As ondas eram violentas. A voadeira às vezes dava saltos de quase um metro. O nível da água chegava a uns cinco centímetros da borda da voadeira. O Amazonas tem mais de 10 quilometros de largura em alguns trechos. E outros rios são perigosos, com redemoinhos.

Foi uma hora para chegar ao outro lado e mais uma costeando a margem até chegar a uma foz de igarapé (um pequeno braço de rio) chamada Boca do Caburi. Daí até a vila de Caburi foram as piores horas.

Eram seis da tarde. Logo no início do igarapé, a tampinha do casco da voadeira foi literalmente por água abaixo. Começou a entrar água na canoa e a única coisa que tínhamos para tirar a água era a tampa da garrafa térmica. Não deu muito resultado.

Sugeriu-se passar a noite na mata, mas a ideia não foi acatada.

Felizmente o igarapé era estreito. Fomos pra margem enquanto o Sebastião procurava a tampinha, mas não a encontrou. Stanley resolveu a situação colocando a camisa no furo do escoamento.

Seguimos com o motor devagar, pois estava na vazante e havia muitos galhos que poderiam bater nas hélices dentro d'água. E foi o que aconteceu, lá pelas sete horas, no meio da escuridão onde a gente só via a lua e as sombras das árvores, o motor bateu em uma árvore dentro do riachinho. Sebastião deu um mergulho para ver se conseguia desencalhar a hélice. Ele conseguiu, mas veio a notícia que temíamos: o motor não poderia funcionar porque havia muitos galhos embaixo d'água. A partir daí, deveria ser na base do remo. Seriam horas adentro de uma selva à noite.

Era uma escuridão só. Os mosquitos começaram a atacar o Stanley, que havia tirado a camisa para fechar o buraco da canoa. Acho que ele se cobriu com alguma coisa que não sei o que era.

Devagar e sempre, de vez em quando um tronco batia no casco e a canoa dava uma balançada. Ficávamos parados o maior tempo possível, para a canoa, lotada de gente e bagagem, não virar. E eu ia segurando a filmadora do laboratório do curso de comunicação, só lembrando da maior recomendação do professor: "cuide dela como se fosse sua vida". De fato, eu segurava mais a filmadora no colo do que me segurava na borda. Aquele professor, além de muito competente, era muito rígido. Numa hora em que a canoa quase virou, eu só conseguia imaginar a cara dele me olhando com a sobrancelha franzida naquela escuridão, mirando a filmadora, que eu segurava no colo como se fosse um bebê.

A canoa encalhou e foram mais uns momentos de espera. Além disso, o cuidado deveria ser dobrado, pois havia risco de arraias e cobras.

De repente, uma sardinha pulou em cima da filmadora, se debatendo e espalhando água. Ai, meu destino. Mas, consegui expulsar o peixe.

Deveríamos chegar a Caburi lá pelas 7 da noite, mas com o motor em marcha lenta, a viagem durou até às oito e meia. Foram horas que pensei não terminariam nunca.

Quando chegamos ao Lago do Caburi, pudemos ver as luzes da vila do outro lado. Moravam umas 300 famílias lá. Como o lago era mais fundo e bem largo, o piloto ligou o motor e fomos mais rápido.

Com o barulho da voadeira, os peixes começaram a pular da água e a cair aos montes dentro do nosso "iate". Era peixe pra tudo que é lado, de dentro e de fora, pulando sobre todo mundo e a gente se desviando pra não levar uma peixada na cara. Azar para alguns deles, que caíram dentro do bote e foram servidos no nosso jantar.

Finalmente, chegamos a Caburi. Oito e meia da noite. A comunidade estava à nossa espera desde as sete. O motor de luz, que é desligado às 22 horas, funcionou até meia-noite, por nossa causa, pois ainda naquela noite deveríamos ter uma reunião no centro comunitário, e todos os representantes da comunidade, e alguns moradores, estavam lá. Além disso, as baterias da filmadora deveriam ser recarregadas.

A reunião seguiu animada, com direito a teatro e música, organizados pelos moradores, para nossa chegada. Não podíamos fazer feio.

Depois fomos para a casa que servia de base à Ufam, jantamos frango e uns peixes suicidas e fomos dormir, no chão, torcendo para que não houvesse morcegos na casa.

No dia seguinte, a mais bela surpresa dessa aventura toda. Era um lindo lago na frente da vila, coisa de veraneio. Se fosse mais perto de Manaus, iria lá sempre. Ruas de barro limpinhas, lugar bem tranquilo.

Foi nesse cenário que começamos a gravar, mas isso fica para a próxima parte do texto.

Vou parar por aqui. A estada na vila e a volta foram igualmente aventureiras.

Eduardo Escreve
Enviado por Eduardo Escreve em 04/07/2012
Reeditado em 06/07/2012
Código do texto: T3760268
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