127 - LÁGRIMAS DE PESCADOR

Passei o dia na cidade de Ribeiro Preto-sp, à tarde voltando para minha querida Igarapava-sp, ao passar pelo trevo da cidade de Ituverava-sp, me lembrei de um grande amigo, um grande pescador, homem de todos os bons atributos, bom companheiro, amigo em todas as situações, bom pescador, diamante raro neste pedregal da humanidade e que há muito tempo não o via, adentrei pela cidade até a praça central, no término desta vira-se à esquerda, percorre um quarteirão e na esquina oposta, quase que não acreditei no que estava vendo, lá estava ele no portão da sua casa parecendo até que estava esperando por mim, cabelos brancos refletindo os seus mais de noventa anos de existência. Encostei calmamente a minha caminhonete e com uma voz um tanto diferenciada:

- Seu Tunico pescador tudo bem com o Senhor?

Ele colocando uma das mãos estendida por sobre os seus olhos, num corta luz, olhou pra mim parecendo não divisar limites ou contornos, nem feições:

- Meu filho! Minhas vistas estão fracas, quem é você?

– Seu Tunico, o senhor se esqueceu do seu amigo pescador lá de Igarapava?

- Bomfim! Deus seja louvado! Você se lembrou de mim!

Abraçamos, abraçamos e choramos, engraçado é a vida, das vezes me julgo um tanto duro no lidar das coisas, mas nestes momentos ainda sou um menino, choro fácil, não um chorar de soluçar, mas um chorar de lacrimejar, quando as lágrimas começam a derramar não existe benzedura que as faça estancar... Sentamos e o passado não pediu permissão para se mostrar, simplesmente foi se mostrando.

- Bomfim, você se lembra quando com a minha caminhonete arrastava uma pesada carreta com o barco e ela derrapou numa curva, saindo para fora da pista e tombou?

- Seu Tunico, este acidente aconteceu em uma das primeiras curvas daquela estrada assim que passamos pela cidade de Patos-mg rumo a Buritizeiros-mg, mesmo assim o Senhor não desistiu da pescaria!

- Chegamos anoitecido nas barrancas do rio Paracatu-mg, e lá você mediu a minha pressão e ela estava alterada, muito alta e você me fez beber um copo de vinho tinto suave, penso que você não seria um bom médico, poderia ter me matado!

- KKKKKKK, seu Tunico, naquela escuridão perdemos a maleta que continha os remédios, que só foi encontrada no outro dia, o Senhor precisava de um relaxante, e o único no alcance da mão foi aquele bom vinho, mas o Senhor tem que reconhecer que o remédio receitado foi muito bom, a prova é que o senhor está vivo até hoje.

Sorrimos!

Naquela época meu Pai já padecia de um enfisema pulmonar em face ao constante e prolongado uso do fumo, sendo assim levávamos muitos remédios, aparelho para medir pressão, termômetro, etc...

- E seu pai?

- Faleceu!

- Meus sentimentos! Faleceu com quantos anos?

- Sessenta e quatro, seu Tunico!

- Morreu novo, muito novo, seu pai fumava muito, e ele tinha um nome muito complicado que até hoje eu não consigo pronunciar, como era mesmo o nome dele?

- Coltevultedeus...

- Isto! Isto! E aquela turma de igarapavenses que sempre estavam lá no rio Paracatu pescando?

- Seu Tunico, pra falar a verdade quase todos já morreram!

- Quase todos?

- Começando pelo meu pai, Alceu Venturoso, Antonio Pasteleiro, Chico Surdo, Virgílio Rigobelo, Tigrão, Pacu Preto... Ah! Ainda estão vivos o Carrapato, aquele eletricista de veículos, hoje mora na cidade de Veríssimo-mg e o Dito Nascimento!

Ele tirou um lenço do bolso, enxugou as lágrimas, tossiu, abaixou a cabeça...

- Muitos amigos meus também foram pescar em outros planos espirituais, eu já sobrevivi a infarto e a um acidente vascular cerebral, já passei dos noventa anos, já pesquei em muitos rios, mas agora tudo isto são somente recordações!

- Seu Tunico, felizes somos nós que temos um passado tão rico de acontecimentos pelos barrancos de tantos rios, felizes somos nós que temos estórias pra contar!

- Bomfim, você se lembra quando a carreta que você arrastava quebrou o eixo naquele estradão do rio Paracatú?

- Se lembro, tivemos que arrancar aquele eixo e levá-lo até a cidade de Buritizeiros para os devidos reparos, tarde da noite arranchamos nas barrancas do rio, estávamos tão cansados que nem ânimo pra comer a gente tinha!!

- Você se lembra que o Alceu Venturoso sempre dizia que o tempo que gastamos em pescarias não é contado, é um brinde?

- Você se lembra quando aquela piranha preta arrancou um pedaço da carne do dedo da mão do seu pai?

- Seu Tunico, meu pai sofreu com aquela mordida, a infecção grassou e a febre fez alturas, deu cuidado, mas no fim tudo serenou...

E a prosa se fez longa, e seu Tunico sempre com a palavra:

- Você se lembra disto, você se lembra daquilo, você se lembra quanto era bonito o cerradão mineiro, aquilo tudo virou carvão pras siderúrgicas, plantações de eucaliptos, ninguém mais fala que viu um veado catingueiro, nem mutum, hoje raríssimas araras azuis e amarelas, tamanduá, você se lembra? E as perdizes e emas que a gente via ao longo da estrada. Você se lembra?? Você se lembra quando uma cobra chamada capitão do campo perseguiu o Virgílio Rigobelo pelas barrancas do rio?

Me levantei no despedir, abracei-o e ele estava muito emocionado, as lágrimas das vezes nos emudecem, mas tudo isto produz um alívio, um conforto, um bálsamo em nossas almas, e ele trêmulo me abraçou despedindo:

- Nunca mais amigão, nunca mais irei pescar naqueles rios dos Gerais, nunca mais amigão...

O caminho de volta pra casa se fez longo, mas não se fez triste ou melancólico, relembrando fui dos amigos que já estão pescando além dos horizontes da vida, sorria com a alma plena de contentamentos ao ver na lembrança as belas imagens de toda aquela gente que nos fizeram companhia em tantas pescarias, ouvia as suas vozes, suas brincadeiras, senti o conforto e calor daqueles amigos que parecendo agora todos em minha volta...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 16/06/2012
Reeditado em 18/06/2012
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