“SENHOR DE PROGRAMA”

Por Carlos Sena



 
Se eu tivesse um programa de TV procurava mostrar o inusitado. Gosto muito dessa proposta de trabalhar o que poucos gostam; procuro sempre transitar pela ilusão de que há dois lados em tudo. Às vezes há um só lado, mas noutras apenas o pelado. Na sociedade ortodoxa, conservadora,  quando o assunto é bom, dá destaque, só aparece na TV quem vive por perto quase que "babando" os poderosos em troca de oportunidades. Se salva quando a notícia é “furo”, então entra quem for a própria notícia. Afora isto, sempre se dá oportunidade a quem está no circuito da intimidade, embora nem sempre isto coincida com o talento. A televisão brasileira é “feudalista” toda. De pai pra filho. Vejam como os personagens de novelas são atores filhos atores que nós, muitas vezes nem sabemos a árvore genealógica e, por isto, nem sempre identificamos.
Se eu tivesse um programa de TV mostraria quem não é mostrado. Entrevistar uma puta deve ser o máximo! Imagine quanta história ela tem pra contar. Jô Soares até faz isto, mas se a puta for de luxo tipo garota de programa.  Eu falo de puta do cais e semelhantes. Entrevistar um mendigo, um louco do bem – daqueles que ficam nas ruas falando consigo, mas que não fazem mal a ninguém deve ser divino. Entrevistar uma detenta que tenha cometido crime bárbaro num subúrbio de periferia deve ser a glória. Certo que não se trata de programa policial, pois esses estão por aí a mil. A TV fica nos devendo quando se elitiza em sua programação. Poderiam dizer que seria um mundo cão, mas é assim que tem sido o mundo. A maior miséria não está fora do mundo, mas dentro das pessoas, pois a vida é nua e crua, mais nua do que crua. Se fosse apenas crua a gente cozinhava e comia, mas não podemos. O grande filão da vida é que a gente tem que, vivendo, conviver com a vida. Nela há morte, há desespero, solidão, tristeza, indiferença, tudo. Por isto vale a pena compreender a natureza humana em sua dimensão mundana, anderground (é assim que se escreve?).
Se eu tivesse um programa de TV incursionaria na trilha do inusitado, como disse. Até já fiz TV na modalidade experimental, mas tive que ganhar dinheiro para manter a vida. e, por isto não enveredei no mundo televisivo embora disponha de certa qualificação. Agora, diante de mim, cobro-me esse compromisso. Mas não sofro. De fato sou um garoto de programa. Meio “senhor de programa” é verdade. Minha vida é toda programada e tenho conseguido tudo que quero nesse dilema de me programar para coisas que não preciso e precisar de coisas que não me programei. Esse diapasão me leva “de boa” como dizem os jovens da geração “Y” – aqueles para quem faculdade é “facul”, velho é “véi”, “tá ligado” é bordão. Por hoje vou parar. Tenho um programa às 9h em Caruaru – vou me encontrar com todos os gestores de RH de Pernambuco e falarei pra eles o que nem MESMO sei. Contudo saberei que o que eu vou dizer eles já sabem mas, nem sempre tem certeza disto.