A MINHA MATURIDADE

Considerações Sobre a Maturidade autoria de Carlos Lira

(Isis):... "Presta atenção, meu filho Horo, porque ouves a doutrina secreta que meu antepassado Kamephis aprendeu de Hermes, o memorialista que relata todos os fatos, e que depois, eu aprendi de Kamephis, antepassado de todos nós, quando ele me honrou com o dom do Negro Perfeito..." (extraído do Livro Sagrado de Hermes Trismegisto intitulado "Filha do Mundo" in Stobaeus, 1, 49, 44),

"Quem olha prá fora sonha; quem olha prá dentro acorda" aforismo esotérico.

O dia 18 de maio amanheceu de modo diferente, mal consegui pregar os olhos num sono reparador, mal consegui pensar, mal consegui meditar e mal consegui chorar... Afinal era o dia de meu aniversário! Dia em que são postas à mesa as vidas vividas, os sonhos sonhados, sonhos realizados e sonhos nas brumas do tempo perdidos, nunca realizados...

À medida que avançamos em idade mais e mais carregamos sobre os ombros o peso do mundo, o peso da vida, das coisas vividas, das coisas que não aconteceram e das que hão de acontecer... Nesta fase outonal da vida em que me encontro, uma parte de mim se revolta, recusa aceitar o óbvio, o irrecorrível e o incondicional: estou envelhecendo... Onde se encontra a minha infância? A juventude e a mocidade? Onde está a maturidade? Tudo se foi... Eis-me aqui despido diante do tribunal de mim mesmo: cada ruga representa uma fase da vida, fases boas ou más, não sei... Cada sofrimento, cada experiência da vida relatada em cada ruga... Os passos ansiosos, os gestos perdidos em sombras, os temores se avizinham e não encontro saída em lugar nenhum. Onde estão os amores vividos, amados e sonhados? Onde estão os ideais não concretizados? Onde se encontra a minha identidade de um bom lutador? Aos outros represento a imagem de que?

"Estudei ardentemente tanta filosofia, direito e medicina, e infelizmente tanta Teologia. Tudo investiguei, com esforço e disciplina, e assim me encontro eu, qual pobre tolo, agora... Tão sábio e instruído quanto fora um dia! Primeiro fui assistente e em seguida doutor. Dez anos ensinando; autêntico impostor a subir e a descer por todos os lados. Estudantes à volta em mim sempre grudados e chego ao fim de tudo ignorante em tudo! Coração a ferver! Para que tanto estudo! Não supero em saber os tolos e doutores nem sei mais do que os Mestres, padres e escritores... Dúvida? Escrúpulo? De tudo já dei cabo. Não mais me assombra o Inferno, e nem mesmo o Diabo. Fugiu todo o prazer da minha adolescência, não me interessa mais do Direito a ciência, nem a tarefa àrdua de ensinar. Aos homens converter e doutrinar. Não ganhei dinheiro, quase não tenho nada, nem a glória do mundo e seus doces prazeres. Por que viver como se fosse um cão! Apego-me à magia. É uma salvação. Pela força do espírito e o vigor do verbo, as forças naturais, secretas, exacerbo, que com esforço cruel eu tentei mostrar , sem nunca conseguir a verdade alcançar. Por fim, conheço hoje o que em todo o mundo existe de mais íntimo e mais profundo: as forças criadoras, forças embrionárias, que não podem ser descritas por palavras tão tumultuárias." Fausto - J. W. Goethe

E a mim me acompanha este meu lado que se prende à frases tumulares e à fatos trágicos e cruéis. Preciso sair desse mundo sombrio e sem nexo, onde os estigmas provocam sangue e penúria. Não quero soçobrar ao sabor do vento furioso e funesto, não quero que se instalem em mim a amargura e a ausência dos tempos imemoriais...

Mas o outro lado de mim me alerta para um fato concreto e real: a vida continua, novos caminhos se abrem até o self - a eternidade a nós compreendida, a eternidade de cada um de nós. Alegro-me por ter chegado até aqui: a fase venerável e misteriosa do itinerante solitário, vestido com roupa vermelha sob o manto azul, com lanterna alternativamente vermelha e amarela em minha mão direita e apoiado num bastão. Tudo isto porque já fui o mestre dos sonhos íntimos e agradáveis da minha juventude desejosa de procurar a porta estreita e o caminho apertado do Divino. Vivi pelo Ideal, confiei sem reservas e amei sem limites! Fiz longas viagens para encontrar a paz de espírito sob o olhar complascente de um sábio guia... A busca do graal, fazer a luz brilhar nas trevas - isolando-me. da realidade da corrente dos humores, preconceitos e desejos coletivos da raça, da nação, da classe e da família - é a faculdade de reduzir ao silêncio a cacofonia da coletividade vociferante em torno de mim, a fim de ouvir e entender a harmonia hierárquica das esferas. Daí, desenvolvi o senso do real que penetra no domínio da realidade e, bem sei, que não com dois pés, mas com três. Só começarei a avançar depois de ter tocado o solo mediante a experiência imediata e primeira do contato sem intermediário - será o meu bastão. A partir de agora criarei a luz, criarei o silêncio e criarei a certeza - em conformidade com o critério das três concordâncias, a saber, do que é claro, a de que está em harmonia com o conjunto das verdades reveladas e a de que é objeto da experiência imediata da vida. Agora compreendo que a força que pode transportar uma montanha deve ser igual àquela que a formou. A fé que pode transportar montanhas não pode, portanto, ser opinião intelectual, nem sentimento pessoal, seja qual for a sua intensidade. Ela deve ser resultante da união do ser humano que pensa, sente e deseja com o Ser Cósmico - com Deus. À medida que avancei em idade, compreendi que a ciência empírica é baseada na dúvida. Foi graças à dúvida a respeito da experiência dos sentidos que a Ciência pôde estabelecer que não é o Sol que se move no Céu, mas a terra que se move em torno dele. Foi por causa da dúvida sobre a fatalidade que foram procurados e encontrados tratamentos para curar as doenças antes incuráveis. Foi por causa das dúvidas sobre as tradições do passado que a ciência empírica descobriu a evolução biológica, os hormônios, as enzimas, as vitaminas, a estrutura do átomo, o inconsciente... Mas a dúvida sozinha basta para que se façam descobertas? Antes de se por no caminho para as descobertas, não é necessário pelo menos "crer" que elas são possíveis? Depois vem a síntese da ciência e da religião, que não é uma teoria qualquer, e sim ato interior da consciência que consiste em juntar a vertical espiritual e o horizonte científico ou, em outros termos - o ato de erguer a cruz da fé. Depois vem o Negro Perfeito quando é chegada a hora de fazermos a coisa essencial do exercício, a saber, o esforço para tirarmos a clareza da escuridão, o esforço para conhecermos o que nos parece não só desconhecido, mas também incogniscível. A experiência nos ensina que há duas espécies de trevas no domínio da consciência. Uma é a da ignorância, da passividade e da preguiça, que é a escuridão "infra-luz". A outra é a escuridão do conhecimento superior, da atividade intensa e do esforço ainda por fazer - é a "ultra-luz". É desta última que se trata quando se deve resolver uma antinomia ou encontrar a síntese. E com esta visão orientada e o tato concentrado, à medida que avanço pela vida adentro, me deparo com a prudência que não tem sempre presente ao espírito a visão do ponto "branco" da síntese, nem a visão da sinopse, do arco-íris das cores, Carrego comigo a síntese unitária que me envolve como o Inconsciente envolve o consciente, e está presente só como força de orientação, tendência diretiva e impulso fundamental em relação ao Consciente. Bem sei que a Prudência jamais elabora "sistema absoluto" de síntese de todo o saber. Ela só se ocupa dos problemas particulares sobre o fundo de sua síntese presente numa camada mais profunda da consciência.

Eis-me posto no caminho da vida com o meu manto, minha lâmpada e meu bastão, pretendendo me tornar em um vendedor ambulante da paz. Quero percorrer o caminho que me resta passando de opinião em opinião, de crença em crença, de experiência em experiência - e traçarei, pelo caminho percorrido, a via da paz entre opiniões, crenças e experiências, munido sempre de meu manto incorruptível, de minha lâmpada que jamais se apagará e do meu bastão onde me apoiarei... E esta caminhada a farei sozinho, fa-lo-ei sozinho porque ninguém poderá fazê-lo por mim, e porque a minha meta será a paz e, obviamente, a solidão e a prudência. Não quero que ninguém se compadeça de mim, porque terei as minhas alegrias, e elas serão intensas. Quando, por exemplo, em meu caminhar eu encontrar outro itinerante, que alegria, que felicidade inundarão as nossas almas. Essa alegria não tem nada em comum com a da embriaguez de se sentir livre de toda a responsabilidade, sentimento esse que é proporcionado pelo mergulho na coletividade. É, ao contrário, a alegria da responsabilidade de encontrar a mesma responsabilidade, e ambos participamos e suavizamos a responsabilidade de Um Terceiro que não tem onde repousar o seu corpo cansado.

O ato de olhar para dentro de si é uma ação que exige concentração, e ela acarreta inevitavelmente a limitação do espírito a aspectos particulares da vida e a perda da vista de seu conjunto. Cheguei a um estágio da vida que não necessito mergulhar na meditação ou no estudo, trabalhar ou agir. Simplesmente irei caminhar. Esta caminhada será a manifestação de um terceiro estado, além da contemplação e da oração. Em relação ao "saber-querer" ou "contemplação-ação" ou, enfim, "cabeça-membros", irei trilhar pelo termo de síntese, a saber, o caminho do coração. Porque é no coração que a contemplação e a ação estão unidas, que o saber se torna querer e que o querer se torna saber. Porque, no fundo, o homem é o que é o seu coração. É nele que a humanidade do ser humano reside e se revela. O coração é o Sol do microcosmo.

"Alague seu coraçao de esperanças, mas nao deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!

Se perceber que precisa seguir, siga!

Se estiver tudo errado, comece novamente.

Se estiver tudo certo, continue.

Se sentir saudade, mate-a.

Se perder um amor, não se perca!

Se achá-lo, segure-o!

"Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada". Fernando Pessoa.

O fundo musical de Cartola me lembra de que "simplesmente queixo-me às rosas, mas que bobagem! As rosas não falam, simplesmente exalam o perfume que roubam de ti"... Que maravilha de amadurecimento: queixo-me às rosas, para se quixar às rosas é preciso ter um gráu maiúsculo de sabedoria, desenvolver um solilóquio sincero e leal consigo mesmo... É despertar o "olhar para dentro e acordar" para depois exclamar: "... mas que bobagem, as rosas não falam" não falam com quem "olha para fora" pois a linguagem da rosa é feita de sutileza e sentimento, "As rosas simplesmente exalam o perfume que roubam de ti" - de mim, de todos os que riem alegres porque os espinhos protegem a essência da vida da rosa... Graças à vida pelo meu viver... Graças à vida pela oportunidade de ter vivido até aqui, ter cometido tantos erros e, através deles, procuro acertar. Esta será a minha meta até morrer... amém...

clira
Enviado por clira em 18/05/2012
Reeditado em 12/07/2017
Código do texto: T3674604
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