SELM (inh) A
Durval Carvalhal
Durval Carvalhal
Somente pela fraternidade a liberdade
será preservada – Victor Hugo
será preservada – Victor Hugo
Há poucos anos, fomos numa caravana para a cidade de Conceição do Almeida, a fim de participar das festas organizadas em homenagem ao aniversário de um dos seus filhos mais nobres, o poeta e escritor Luiz Ademir de Souza. Fui no carro de Renato Castro, um velho moço, para quem o tempo é um simples referencial, não interferindo no seu amor pela vida.
Chegando a Conceição, tomamos logo uma cachaça na feira e travamos incontinente o primeiro contato com aquela gente simples, alegre e amiga. Fomos recebidos pela família do homenageado e pela família CONI. Participamos de shows e de todas as festanças naqueles dois dias de contato com a alegria, com a liberdade e com o prazer.
A vida ali se resumia em conversas amenas e culturais, passeios, bebericações. Vivia-se Voltaire por inteiro. Estávamos no melhor dos mundos possíveis; e foi nessas circunstâncias, que conheci Selma Santos.
Já em Salvador, vivendo já nossos dramas pessoais e cotidianos: escola, trabalho, trânsito louco, violência urbana, carestia, ditadura falando grosso, o pau comendo solto, inflação, falta de grana, mas não obstante atentos à música, à poesia, a tudo que dignificasse mais a vida, eu e Selm (inh)a estreitamos a nossa amizade. Principalmente porque ela, na época, era bancária de uma instituição, cujo gerente era meu amigo pessoal.
Jorge Magalhães, seu gerente, sempre me dizia: essa menina vai longe.
__ É. Ela tem muito pique realmente. Canta bem, é afinada, sabe representar. É um barato... Completava eu.
Várias vezes, encontrei-a com um violão debaixo do braço, andando por aí. Tocava aqui, estudava ali, ensaiava acolá. Parecia uma borboleta, irrequieta por índole. Mais tarde, estava ela mais ligada ao teatro:
___Tô fazendo agora teatro. Tomei um urso na Escola de Teatro e tô numa peça muito boa. Pinte por lá. Vai ser legal.
Tudo isso ela fazia paralelamente ao trabalho de bancária, até que, com a falência do seu banco, ela foi pra rua, como todos os outros colegas, e ela pode dedicar-se por inteiro à representação, transformando-se na extraordinária atriz que é.
Assim como se ia a um estádio de futebol por causa de Garrincha ou Pelé; assiste-se a um bom filme por causa do seu diretor, ou de um artista; se lê um livro porque foi escrito por determinado escritor; compra-se um disco porque é daquele cantor, semelhantemente vai-se ao teatro ver uma peça porque a participação de certo ator ou atriz já vale o ingresso.
Mas, esta condição não cai do céu, ou se conquista com facilidade. São necessárias muita competência e criatividade, que só vem com muito trabalho, mormente no sacerdócio do teatro. É um tal de ensaio, duas a quatro horas em média por dia, que só quem tem aptidão, suporta tanto sacrifício, que, no frigir dos ovos, vira prazer. Prazer que chega ao seu ponto culminante, quando chega o dia da apresentação oficial. Por isso que, normalmente, na estreia, os atores estão um pouco nervosos. E é por isso também que na estreia, a casa está cheia; o público vai em massa para participar desse banquete, onde não faltam o nervosismo, a ânsia, a busca da perfeição e a troca de energia entre artista e público.
Foi em Beijo Final, uma peça de Izabel Câmara, dirigida por José Humberto Dias e apresentada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, nos idos de 1984, que Selma passou a ser aquela atriz especial, capaz de levar público a um teatro, só pela sua presença física, sua expressão doce e leve, pela sua magia representativa.
Selma é uma profissional de mão cheia porque tem autocrítica muito dura. É muito exigente consigo mesma. Dá-se por inteiro à sua profissão. Está sempre estudando, se atualizando. Imagine o leitor um pássaro que foi colocado numa gaiola. Às vezes, inconformado com a perda da liberdade, debate-se, até ferir-se todo e não ter mais força para reagir; outras vezes, prostra-se triste a cantar. Canto que geralmente nos enche de prazer, satisfação e orgulho. Que estranho é o homem, capaz de ser feliz com a perda crescente da sua própria sensibilidade! Porém, uma vez que o pássaro consegue livrar-se da maldita gaiola, observa-se ele agora sentado num galho de árvore, catando-se, pulando, olhando de um lado para o outro, balançando o rabinho, cheio de contentamento, como quem diz: agora, sou de novo livre, por isso, sou feliz. Selma Santos é exatamente esse pássaro. Quando ela está no palco, no seu habitat natural, exercendo a sua profissão de representar, ela se solta, fica leve, doce, macia. Seu olhar brilha. Sua face ganha contornos de anjo. Torna-se hipnótica, capitalizando para si, muitas vezes, toda a atenção do espectador.
Claro que tudo isso depende também das circunstâncias, do tipo da peça, do papel a representar. Seus últimos papeis, em peças infantis, como Chapéu, Chapelão e Cia de Ivan Cunha, apresentado no Teatro Maria Betânia e Estórias de Lenço e Vento, no TCA, não obstante a produção extremamente competente, não foram muito criativos; mas, ainda assim, havia a marca de Selma Santos.
Certa vez, num sábado à tarde, encontrei-a no Bar Boemia, depois de um ensaio na Escola de Teatro. Já ia saindo e ela disse: “Oh! Você já vai? Pô!”.
___ Tudo bem, você chegou, vamos bater um papinho, tá legal? Perguntei.
Sentamos e tomamos uma cachacinha como ela gostava de dizer: “eu vou numa cachacinha pra esquentar”. Chegou Wilson Melo, esse monstro da representação, e também sentou pra cachaçar. Conversamos sobre mil coisas e ela parecia que estava representando. Estava cândida, bonita, faceira e convidou-me para seu próximo espetáculo, O BANQUETE, que não pude ir ver.
Agora, ela ataca de Dorotéia, do mestre Nelson Rodrigues. Escudada por um bom cenário, uma ótima direção e contracenando com atores dos mais competentes, ela dá outro show de interpretação como a irmã de Dorotéia. É necessário ver a peça duas vezes. Uma para ver Selma. Outra, para ver a peça por inteiro. Selma é o Mário Gusmão feminino. Dir-se-ia que ela é um anjo que perdeu as asas e caiu aqui, em Salvador, para embelezar mais ainda a arte da representação...
Chegando a Conceição, tomamos logo uma cachaça na feira e travamos incontinente o primeiro contato com aquela gente simples, alegre e amiga. Fomos recebidos pela família do homenageado e pela família CONI. Participamos de shows e de todas as festanças naqueles dois dias de contato com a alegria, com a liberdade e com o prazer.
A vida ali se resumia em conversas amenas e culturais, passeios, bebericações. Vivia-se Voltaire por inteiro. Estávamos no melhor dos mundos possíveis; e foi nessas circunstâncias, que conheci Selma Santos.
Já em Salvador, vivendo já nossos dramas pessoais e cotidianos: escola, trabalho, trânsito louco, violência urbana, carestia, ditadura falando grosso, o pau comendo solto, inflação, falta de grana, mas não obstante atentos à música, à poesia, a tudo que dignificasse mais a vida, eu e Selm (inh)a estreitamos a nossa amizade. Principalmente porque ela, na época, era bancária de uma instituição, cujo gerente era meu amigo pessoal.
Jorge Magalhães, seu gerente, sempre me dizia: essa menina vai longe.
__ É. Ela tem muito pique realmente. Canta bem, é afinada, sabe representar. É um barato... Completava eu.
Várias vezes, encontrei-a com um violão debaixo do braço, andando por aí. Tocava aqui, estudava ali, ensaiava acolá. Parecia uma borboleta, irrequieta por índole. Mais tarde, estava ela mais ligada ao teatro:
___Tô fazendo agora teatro. Tomei um urso na Escola de Teatro e tô numa peça muito boa. Pinte por lá. Vai ser legal.
Tudo isso ela fazia paralelamente ao trabalho de bancária, até que, com a falência do seu banco, ela foi pra rua, como todos os outros colegas, e ela pode dedicar-se por inteiro à representação, transformando-se na extraordinária atriz que é.
Assim como se ia a um estádio de futebol por causa de Garrincha ou Pelé; assiste-se a um bom filme por causa do seu diretor, ou de um artista; se lê um livro porque foi escrito por determinado escritor; compra-se um disco porque é daquele cantor, semelhantemente vai-se ao teatro ver uma peça porque a participação de certo ator ou atriz já vale o ingresso.
Mas, esta condição não cai do céu, ou se conquista com facilidade. São necessárias muita competência e criatividade, que só vem com muito trabalho, mormente no sacerdócio do teatro. É um tal de ensaio, duas a quatro horas em média por dia, que só quem tem aptidão, suporta tanto sacrifício, que, no frigir dos ovos, vira prazer. Prazer que chega ao seu ponto culminante, quando chega o dia da apresentação oficial. Por isso que, normalmente, na estreia, os atores estão um pouco nervosos. E é por isso também que na estreia, a casa está cheia; o público vai em massa para participar desse banquete, onde não faltam o nervosismo, a ânsia, a busca da perfeição e a troca de energia entre artista e público.
Foi em Beijo Final, uma peça de Izabel Câmara, dirigida por José Humberto Dias e apresentada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, nos idos de 1984, que Selma passou a ser aquela atriz especial, capaz de levar público a um teatro, só pela sua presença física, sua expressão doce e leve, pela sua magia representativa.
Selma é uma profissional de mão cheia porque tem autocrítica muito dura. É muito exigente consigo mesma. Dá-se por inteiro à sua profissão. Está sempre estudando, se atualizando. Imagine o leitor um pássaro que foi colocado numa gaiola. Às vezes, inconformado com a perda da liberdade, debate-se, até ferir-se todo e não ter mais força para reagir; outras vezes, prostra-se triste a cantar. Canto que geralmente nos enche de prazer, satisfação e orgulho. Que estranho é o homem, capaz de ser feliz com a perda crescente da sua própria sensibilidade! Porém, uma vez que o pássaro consegue livrar-se da maldita gaiola, observa-se ele agora sentado num galho de árvore, catando-se, pulando, olhando de um lado para o outro, balançando o rabinho, cheio de contentamento, como quem diz: agora, sou de novo livre, por isso, sou feliz. Selma Santos é exatamente esse pássaro. Quando ela está no palco, no seu habitat natural, exercendo a sua profissão de representar, ela se solta, fica leve, doce, macia. Seu olhar brilha. Sua face ganha contornos de anjo. Torna-se hipnótica, capitalizando para si, muitas vezes, toda a atenção do espectador.
Claro que tudo isso depende também das circunstâncias, do tipo da peça, do papel a representar. Seus últimos papeis, em peças infantis, como Chapéu, Chapelão e Cia de Ivan Cunha, apresentado no Teatro Maria Betânia e Estórias de Lenço e Vento, no TCA, não obstante a produção extremamente competente, não foram muito criativos; mas, ainda assim, havia a marca de Selma Santos.
Certa vez, num sábado à tarde, encontrei-a no Bar Boemia, depois de um ensaio na Escola de Teatro. Já ia saindo e ela disse: “Oh! Você já vai? Pô!”.
___ Tudo bem, você chegou, vamos bater um papinho, tá legal? Perguntei.
Sentamos e tomamos uma cachacinha como ela gostava de dizer: “eu vou numa cachacinha pra esquentar”. Chegou Wilson Melo, esse monstro da representação, e também sentou pra cachaçar. Conversamos sobre mil coisas e ela parecia que estava representando. Estava cândida, bonita, faceira e convidou-me para seu próximo espetáculo, O BANQUETE, que não pude ir ver.
Agora, ela ataca de Dorotéia, do mestre Nelson Rodrigues. Escudada por um bom cenário, uma ótima direção e contracenando com atores dos mais competentes, ela dá outro show de interpretação como a irmã de Dorotéia. É necessário ver a peça duas vezes. Uma para ver Selma. Outra, para ver a peça por inteiro. Selma é o Mário Gusmão feminino. Dir-se-ia que ela é um anjo que perdeu as asas e caiu aqui, em Salvador, para embelezar mais ainda a arte da representação...