MORTE PAGA PELA VÍTIMA

Por estas mal garatujadas, melhor seria que falasse do aniversário da minha cidade. Como está ficando anosa esta urbe de Nossa Senhora da Assunção! Justamente na sexta-feira, 13 de abril, ela completou 286 anos de lutas e de existência.

Lutas libertárias, sim. Aqui vingaram alguns movimentos abolicionistas e de libertação do jugo imperial, com encarcerados e mortos por fuzilamento: o herói “Dragão do Mar”, D. Bárbara de Alencar, o padre Mororó, o padre Ibiapina, o jornalista Pessoa Anta e alguns mais.

Hoje, no entanto, não me dá gosto assuntar sobre comemoração nenhuma, nem atiçar a memória sobre mártires ou heróis. Quero rabiscar algumas linhas é a respeito de uma trágica tragédia que ouvi pelo rádio.

Não se trata de crônica policial, mas de crônica seca, embora até humanitária, sem nomes explícitos. E os dois únicos personagens dela não figurarão na minha antroponímia.

Uma senhora que vendia carros para a Newland, em nossa capital, endividou-se ao extremo. Contraiu dívidas que ela própria supôs serem contas impagáveis.

Pelos comentários da imprensa, fora a melhor vendedora dos carrões de luxo da importante revendedora de automóveis importados. No entanto, achara-se endividada.

Coisa simples e sem jeito: decidiu que se mataria. Agora onde achar coragem para a execução da tresloucada medida?

Andou que andou à busca de um braço de aluguel que a executasse, a ela mesma, a própria eficiente vendedora de carrões de luxo e importados.

Um, dois, três, alguns desocupados de distantes subúrbios foram “peitados”, mas eles se recusaram a efetivar a macabra proposta da senhora potencialmente – e em tese – uma suicida.

Tanto ela aliciou venais matadores por encomenda que, finalmente, para lhe pôr fim à vida, um infeliz aceitou o convite da mulher. O gajo a manipular o gatilho teria arma e carona para dar conta do recado da morte encomenda, só que seria em lugar ermo.

Em trecho de estrada carroçável, em município limítrofe da zona metropolitana de Fortaleza, a mão do infeliz contratado, usando a arma da dita senhora, roubou-lhe o último sopro vital com um certeiro tiro na cabeça.

Antes, ela, a senhora que seria vitimada, só teve gesto para esboçar a última vontade e o medo de morrer, nada que se assemelhasse a uma exigência: cobriu o rosto com as próprias mãos e peeei...

Um tiro só, mas foi certeiro, à queima-roupa. Isto se deu anos atrás, que a Justiça para levar um a júri tem pernas curtas e é cega mesmo, de verdade.

Na quinta, dia anterior ao aniversário de Fortaleza, no Fórum, deu-se o julgamento do infeliz matador por encomenda – dezessete anos de sentença. Uma mixórdia de pena. Com os emolumentos das leis da impunidade, quiçá, o desgraçado gajo tire trancafiado um ano e sete meses, se muito.

Como ninguém me pergunta por quanto saiu o preço do autocrime, vou-lhes revelar a vultosa quantia. Toda essa trágica tragédia custou redondamente quinhentos reais.

O caso ouvido pelo rádio me botou tão jururu, tão escabreado, tão no baixo astral e tão na casa do sem jeito que foi por isso que deixei passar em brancas nuvens as justíssimas homenagens dos 286 anos de vida da minha cidadezinha.

EM TEMPO: Com tantos corruptos da coisa pública, a sair pelo ladrão, hoje em dia, sinceramente, sem entrar no demérito da própria morte encomendada, o caso da senhora vendedora me dá uma certeza: ela era uma pessoa, no mínimo, bastante honesta.

Fort., 14/04/2012.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 14/04/2012
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